Quem nunca observou as nuvens e nelas detectou formas, rostos, animais? O que você vê quando olha para elas?
Numa nuvem grande, Micael Cecchini vê se há gelo ou água líquida. “Ela precisa estar bem desenvolvida verticalmente para se discernir a parte mais difusa acima, onde tem gelo”, conta o professor da Universidade de São Paulo, que é um “doutor em nuvens”.
Essas massas de vapor d’água convertido em água líquida e gelo têm impacto direto no clima. As características de uma nuvem —se mais ou menos densa, se mais alta ou mais baixa— determinam como ela absorve ou reflete os raios solares de volta para o espaço. “As nuvens são um dos mecanismos menos compreendidos no estudo do clima”, o meteorologista observa.
E isso acontece por que modelos climáticos não conseguem reproduzir nuvens com grande detalhamento, já que normalmente trabalham com uma resolução de dezenas de quilômetros quadrados —uma escala superior ao tamanho de nuvens individuais de tempestade, por exemplo.
Modelos climáticos são representações computacionais do clima da Terra em escala global ou regional. É uma tentativa de reproduzir no computador aquilo que sentimos e vemos acontecer em tempo real. Para isso, cientistas “recortam” a superfície do planeta em quadrados de extensão variável (daí a resolução do modelo), cada um deles com informações de temperatura do solo, do ar, e de cobertura vegetal, por exemplo.
Com essa representação no computador, cientistas podem “acelerar o tempo” para ver como as condições climáticas poderão ser no futuro —ou podem “rebobinar” esses modelos para entender como o clima deve ter sido milhares ou até milhões de anos atrás. Uma coisa é certa: um modelo será mais preciso quanto menores forem seus “quadrados” e quanto mais dados esses quadrados tiverem.
A cobertura de nuvens é apenas uma entre as muitas variáveis em cada “quadrado”. Lidar com elas é um desafio, pois os pesquisadores são obrigados a trabalhar com modelos de alta resolução para poder estudá-las. “As nuvens que estudo medem 500m, 1 km, 2 km, no máximo alguns poucos quilômetros,” diz Cecchini.
Ele olha para nuvens com algumas dezenas ou centenas de metros para estudar a relação delas com a poluição. Uma atmosfera poluída afeta o desenvolvimento de nuvens, alterando seu tamanho e atrasando a formação de chuva. Isso acontece porque a umidade do ar “agrupa ” em gotas de nuvem —conforme a umidade condensa, essa gota cresce e agrega outras gotas. Assim, se torna uma gota de chuva. Um ar poluído tem mais partículas onde a umidade pode se “agrupar”, formando nuvens com mais gotas, mas com tamanhos menores. Assim, as gotas de chuva acabam demorando mais para se formar.
Além da poluição, estão em jogo a temperatura, a geometria da nuvem, as forças que convergem para sua formação —e tudo pode ser quase aleatório. O efeito da poluição em nuvens rasas é um, mas nas mais profundas pode ser outro. “E, dependendo de quanta poluição se insere no modelo, ocorrem efeitos contrários”, diz Cecchini. A relação entre poluição, formação de nuvens e chuva é tão complexa que os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) indicam que essa é a principal fonte de incerteza para projeções futuras do clima.
O atual consenso é que aumentos na poluição levam a resfriamento global, tanto pelo efeito direto, em que as partículas de poluição refletem a radiação solar, quanto pelo indireto, quando a poluição aumenta o número de gotas de nuvens, aumentando então sua capacidade de refletir a radiação solar.
Pesquisadores estimam que o efeito da poluição no clima esteja mascarando um terço do aquecimento causado pelo aumento na concentração de dióxido de carbono (CO2) —ou seja, há muita incerteza aí. Há negacionistas que se agarram a este argumento para refutar o aquecimento global. Mas não é isso que dizem os dados científicos. “O histórico de medições do clima mostra que, mesmo com potencial resfriamento gerado pela poluição, o aquecimento ocasionado pelos gases do efeito estufa é ainda mais intenso”, observa o professor.
O planeta está esquentando. A média da temperatura global subiu 1.2ºC em relação à média do período pré-industrial, e as nuvens têm um papel nisso. “Agora, é difícil saber qual é o papel concreto das nuvens, ou seja, o quanto exatamente elas mascaram o aquecimento global e se esse efeito irá permanecer no futuro”, diz o pesquisador.
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Meghie Rodrigues é jornalista de ciência.
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