Houve uma época em que, toda vez que Roberto Brito olhava para uma árvore, ele via um número – o valor em dinheiro que ele poderia ganhar se ela fosse derrubada.
Brito vive com a família nas margens do rio Negro, no Amazonas, e só conseguia ver o valor financeiro das árvores derrubadas.
Ele aprendeu a usar a motosserra aos 11 anos e representava a quarta geração da família a cortar árvores antes mesmo de atingir a maioridade.
Quando jovem, Brito tinha dificuldade para observar uma bela árvore, que ele sabia que iria produzir madeira de boa qualidade, sem derrubá-la. Ele conta que era doloroso resistir a este impulso, tão difícil quanto parar de fumar.
Agora, tudo mudou. “Deixamos de pensar no preço e começamos a pensar em [um tipo diferente de] valor”, ele conta.
“Quando vejo um belo cumaru, por exemplo, com 300 a 400 anos de idade, pouco mais de um metro de diâmetro e 15 a 20 metros de altura, eu ainda toco nele, mas com um pensamento diferente.”
“Quando eu era madeireiro, eu tocava uma árvore como aquela e dizia, ‘vou passar três ou quatro dias trabalhando e ganhar R$ 700 ou R$ 800′”, ele conta.
“Ainda penso em ganhar dinheiro, mas talvez eu possa ganhar os mesmos R$ 700, R$ 800 ou até R$ 1 mil com uma caminhada com 10 pessoas, por exemplo”, afirma.
“E percebi que, com a floresta em pé, tenho acesso à educação, tecnologia, um futuro para os jovens que moram aqui e ainda colaboro para a preservação do nosso planeta, em relação às mudanças climáticas.”
A transição de Brito, que deixou de cortar a floresta para promover caminhadas na região, foi dramática. Ela exigiu o apoio e a coordenação de incentivos financeiros, sociais e ambientais.
Sua história mostra que, com a combinação correta de incentivos, usando o conhecimento e as habilidades das pessoas que trabalham em uma indústria extrativa, pode surgir um caminho viável para que algumas pessoas deixem aquela atividade.
Nova reserva
Tumbira – a comunidade ribeirinha onde mora Brito – reúne algumas construções em meio às árvores frondosas.
Para chegar ao centro do vilarejo, os visitantes sobem uma escada de madeira a partir da beira do rio, enquanto ariranhas colocam suas bocas abertas para fora da água perto dali.
A Pousada do Garrido é uma pensão com cinco quartos. É a primeira parada para muitas pessoas que chegam a Tumbira pela primeira vez.
O principal espaço de reuniões da pousada possui teto metálico e um piso imaculadamente limpo, feito de placas de madeira. Suas laterais são abertas e um mural colorido formado pela floresta emoldura a cozinha.
Cães muito magros passeiam em volta, enquanto urubus ficam de alerta no alto das traves do campo de futebol próximo.
Tumbira, há muito tempo, é um local de remota tranquilidade. Mas sua aparência mudou nos últimos anos, com a chegada do turismo de baixo impacto ambiental.
Em 2008, o governo do Amazonas criou a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro. O objetivo é preservar a natureza e apoiar as comunidades que ali vivem.
Segundo a ecologista Rita Mesquita, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em comparação com épocas anteriores, houve enormes progressos em termos de reconhecimento dos direitos das pessoas à terra onde elas vivem.
A criação de outros tipos de reservas no Brasil pode levar ao deslocamento de pessoas que moram naqueles locais há várias gerações. Mas a reserva de desenvolvimento sustentável valoriza os moradores.
“Precisamos considerar essas pessoas parceiras e aliadas na conservação”, explica Mesquita. Ela destaca que esta postura cria parceiros para toda a vida.
Mas uma reserva de desenvolvimento sustentável traz restrições para a extração de recursos. Por isso, o sustento de Brito, que já era fisicamente extenuante, ficou ainda mais difícil.
As agências ambientais realizaram inspeções e prisões nas madeireiras. Os preços da madeira caíram, assim como a quantidade de árvores, o que acirrava a concorrência entre os madeireiros.
Brito reconhece, no seu modo pragmático de ser, que ele continuou a derrubar árvores ilegalmente.
“Eu precisava ter alguma renda”, explica ele. “Defendi muito a extração de madeira porque eu não pensava em trabalhar em outra coisa. Eu disse que nunca iria deixar de derrubar árvores.”
Mas, nos últimos anos, Brito começou a observar outras mudanças na sua comunidade de Tumbira, onde ele foi presidente comunitário.
A criação da reserva de desenvolvimento sustentável, por exemplo, levou organizações, como a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), a criar projetos de educação e saúde na região.
Brito queria muito oferecer educação formal para seus dois filhos adolescentes. Ele próprio esteve apenas cinco anos na escola.
Outra mudança ocorreu quando turistas de outros Estados começaram a visitar o projeto de conservação na reserva.
Eles não passavam a noite ali porque não havia onde dormir. Por isso, os visitantes voltavam de barco para Manaus, a cidade mais próxima, mas ainda a várias horas de viagem.
O cortador de árvores virou guia da floresta
Brito relembra que, um dia, o diretor-geral da FAS, Virgilio Viana, sugeriu que ele poderia trabalhar no turismo comunitário.
“Eu olhei para ele, surpreso, e disse: ‘O que vou fazer com as pessoas de fora?’ Era uma barreira muito grande.” Mas Brito decidiu tentar.
“Comecei a receber pessoas na minha casa para saber como seria aquela experiência”, relembra ele.
A tentativa foi um sucesso. Brito percebeu que ganhava mais em uma semana do que em três meses de extração de madeira.
Ele abriu sua pousada em meio à natureza em 2011 – três anos depois da criação da reserva de desenvolvimento sustentável. Mais de duas décadas desde que ele cortou sua primeira árvore, o madeireiro aposentou sua motosserra.
A Pousada do Garrido, de propriedade de Brito, foi a primeira empresa formada pela Incubadora de Negócios da Floresta da FAS.
O projeto fornece acesso a crédito, treinamento e outros recursos úteis para as iniciativas comerciais da comunidade amazônica.
“Consideramos o turismo comunitário baseado principalmente nos serviços do ecossistema como parte da bioeconomia”, explica Viana. “Provavelmente, você em Londres ou eu consumimos e pressionamos mais o planeta do que eles.”
A transição de Brito para deixar de ser madeireiro levou três anos. Sua experiência reflete a abordagem gradual da fundação para estabelecer confiança e identificar as prioridades da comunidade.
Viana conta que, inicialmente, havia muita resistência das pessoas. Elas não imaginavam que poderiam ganhar a vida sem derrubar árvores.
“Esta é uma oportunidade para falar sobre a importância da educação e da capacitação”, ele conta. Viana destaca que tudo é feito segundo a conveniência dos próprios moradores locais.
“Nunca sonhei em trabalhar com turismo”, conta Brito.
Mas, como empreendedor, ele consegue aplicar seu profundo conhecimento da floresta à nova atividade, em substituição à derrubada de árvores. Isso transformou não só o seu trabalho, mas também sua relação com a mata.
“Percebi que comer os frutos de uma árvore todos os anos é muito melhor do que derrubá-la de uma vez e retirar cem pedaços de madeira.”
É verdade que seu negócio enfrentou altos e baixos. O principal obstáculo foi a seca.
Em 2023, uma longa seca histórica trouxe imensos desafios para uma comunidade que só pode ser acessada pelo rio.
Enquanto o rio Negro secava, os visitantes na pousada também desapareciam. Foram 111 reservas canceladas, segundo Brito.
Ele conta que a seca afetou diretamente 15 famílias de Tumbira que trabalham em função do turismo, como os artesãos, pescadores e profissionais de limpeza.
Ainda assim, Brito conta que o turismo em uma reserva de desenvolvimento sustentável é melhor do que a atividade madeireira. E também melhora a qualidade de vida.
Agora, ele pode dormir em casa ao lado da esposa e sua comunidade tem acesso à assistência médica e tecnologia, sem falar na grande satisfação de saber que as árvores e outros recursos ambientais continuarão disponíveis para várias gerações futuras.
Mudanças em escala
Como ex-presidente comunitário e um dentre 10 irmãos, a influência social de Roberto Brito é considerável. Tanto que alguns dos seus irmãos também trocaram a atividade madeireira pelo turismo sustentável.
Este tipo de contágio social pode ser uma força poderosa em benefício do meio ambiente.
A professora de estudos ambientais Anne Toomey, da Universidade Pace, nos Estados Unidos, indica pesquisas que mostram que, muitas vezes, “precisamos de redundância na nossa rede social” para difundir as mudanças na sociedade.
Em outras palavras, as mudanças ambientais podem parecer muito arriscadas, a menos que diversas outras pessoas em uma mesma rede social já tenham tomado as mesmas decisões.
Quando se atinge uma massa crítica em uma área geográfica, como uma determinada quantidade de pessoas que instalaram painéis solares, este resultado pode se espalhar pelas regiões vizinhas. Mas isso traz o risco de irregularidade de investimentos, que pode gerar desigualdade e ressentimento, segundo Toomey.
A transformação da comunidade de Tumbira em um polo de ecoturismo foi o resultado dos esforços combinados de muitas pessoas. Ela não representa, necessariamente, muitas outras comunidades ribeirinhas da Amazônia.
Mas o sucesso alcançado mostra as possibilidades – e já inspirou comunidades vizinhas, segundo Virgilio Viana.
Outra lição é que deixar de culpar ou criticar indivíduos pode trazer mais pessoas para o movimento ambiental, segundo Toomey. E também é importante valorizar a experiência de pessoas como Brito, com suas décadas de trabalho na floresta, que agora calça seus chinelos para guiar os visitantes em meio à mata.
Toomey acredita que o movimento ambiental passou tempo demais tentando mudar a ideologia das pessoas. Mas as ações são realmente mais importantes do que a pureza ideológica.
“Existe poder na criação de uma definição mais ampla do que é um ambientalista”, afirma ela.
Sua pesquisa sobre os motivos que levam às mudanças em favor da conservação ambiental indica que pode ser útil ter uma visão mais pragmática. Incentivos financeiros, por exemplo, “podem caminhar lado a lado com outros tipos de incentivos”.
Para Brito, a sustentabilidade é questão de ação, não de “discursos bonitos”.
“Não sou ambientalista, nem ativista radical”, afirma ele. “Apenas defendo o que funciona na nossa comunidade e fortalece a comunidade como um todo.”
“‘Sustentabilidade’ é uma palavra muito longa e difícil de dizer, mas não é difícil de alcançar. Você só precisa de apoio e as pessoas locais também precisam querer o mesmo. É o que nós estamos fazendo.”
* Esta reportagem foi possível com o apoio da Bolsa Memorial Thomas Lovejoy para Jornalistas, da Fundação das Nações Unidas. O autor agradece pelo apoio de Guilherme Cavalcante, que traduziu parte das entrevistas realizadas.
Este texto foi originalmente publicado aqui.