O Brasil tem brasileiros geniais, mas essa genialidade só costuma ser reconhecida quando algum deles ergue uma taça. Isso talvez seja reflexo da nossa histórica falta de protagonismo geopolítico e do subsequente vira-latismo que tal estado de coisas instila e reforça nos mais diversos campos.
Gênio, Fernanda Torres ergueu uma taça no domingo passado, numa contingência igualmente genial: a de ter mostrado a milhões de brasileiros nos cinemas daqui, e doravante a enormes plateias estrangeiras nos de fora, os horrores de nosso passado recente.
E ela o fez, como a atriz mesmo descreveu numa entrevista deliciosa à GloboNews, com contenção, sem estridência.
Como se sabe, Fernanda deu vida a Eunice Paiva, protagonista de “Ainda Estou Aqui”, filme de Walter Salles baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice.
Eunice é uma vítima emblemática da ditadura brasileira, emblemática por ter-lhe sido sempre negada a verdade sobre seu marido, Rubens Paiva, ex-deputado federal e engenheiro torturado e morto no mesmo cadafalso carioca onde ela também amargou por 12 dias uma detenção inexplicável.
Depois, essa “grande brasileira”, como lindamente definiu Fernanda, precisou se “reinventar na adversidade”, e seu proceder é exemplar: ao mesmo tempo que via as instâncias responsáveis lhe sonegarem a certidão de óbito de Rubens –o documento só viria 25 anos após a morte –, mudou de cidade, cuidou dos cinco filhos, formou-se em direito e advogou pelos indígenas.
Fernanda Torres e Eunice Paiva são brasileiras geniais, mas talvez só a inesperada vitória no Globo de Ouro, em Los Angeles, possa ter desvelado essa verdade cristalina. Não bastaria à atriz ter sido indicada ao prêmio e por ele concorrer contra medalhões como Nicole Kidman, Angelina Jolie, Kate Winslet, Tilda Swinton e Pamela Anderson.
No esporte essa condição parece ser ainda mais radicalizada. Ser o “primeiro dos perdedores” quando se chega ao segundo lugar é uma sina que se repete no futebol: o Brasil precisou de nada menos do que três Copas para superar o Maracanazo.
E também na Fórmula 1. Aqui, a diferença de grandeza de um Ayrton Senna para um Rubens Barrichello, digamos, tem relação clara com o número de vitórias e, talvez mais, com a obstinação do primeiro em conquistá-las. É verdade que a morte precoce na pista ajudou na narrativa vitoriosa –e mitológica.
Assim, nem sempre basta ser uma Daiane dos Santos, é preciso ser Rebeca Andrade, ainda que esta talvez não tenha existido sem aquela; tampouco basta ser Vanderlei Cordeiro de Lima, por mais esdrúxula e injusta tenha sido a maneira que o ouro olímpico lhe foi surrupiado em Atenas.
No tênis, as vitórias de Guga Kuerten foram inspiradoras e impactaram de alguma forma no interesse pelo esporte, mas o estilo easygoing do catarinense, sem o caráter de obstinação de um Djokovic, não ajudaram a forjar um mito à Ayrton Senna.
Quem sabe João Fonseca, com sua inacreditável direita e talvez a mesma obstinação pela vitória de Ayrton, venham cumprir esse papel. E, mesmo com os 18 anos do carioca, arrisco dizer que é coisa para já.
Com João, podemos fazer uma trifeta, um Grand Slam para ele, mais o Globo de Ouro e um Oscar para Fernanda e “Ainda Estou Aqui”.
Aí talvez a gente possa dar um respiro para o Dorival, e um terceiro lugar no ano que vem já esteja de bom tamanho.
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