Filosofia de padaria? Hoje temos. Formas singelas nos ajudam a pensar sobre temas complexos, como é o amor, o mais interminável e indefinível dos sentimentos. Não há nada que escape do amor, porque tudo gira em torno dele —ou da sua ausência. É aí que entra a simplicidade do pão.
O pão é alimento universal, o amor também. Ambos são democráticos: tem pão para todos os gostos, até para celíacos; tem amor para todo mundo, só tem que ter disposição para aprender a amar. Dá trabalho, não é fácil fazer crescer.
O pão e o amor têm diferentes sotaques e formatos. Cada cultura faz do seu jeito, cada língua é diferente, cada beijo é diferente. Mas os ingredientes básicos são os mesmos, se faltar um, ou não dá liga ou fica aguado ou grudento demais. Sufocar não dá certo, os dois precisam de ar e de espaço para manter a textura.
Farinha de trigo sozinha não faz pão. Sem água, o pão não acontece, sem água, o amor não cresce. Precisa ser regado, precisa estar molhado. Saliva, lágrimas, fluidos.
Pão também combina com líquidos: café, leite, cachaça, vinho. Combina com rotina e com um jantar romântico, com pijama e com salto alto, com terça de manhã e com sábado à noite, com frio e com calor. Igual o amor, que combina com tudo, Nutella, raízes, chocolate, peito de peru —vale tudo, desde que faça o peito (não o do peru) bater mais forte.
O pão é barato; o amor é de graça, mas tem o seu preço. O bom pão é aquele da padaria da esquina. Não precisa ser de butique, não precisa ser tão saudável. Não existe amor 100% integral, não existe amor gourmet, não existe amor que só faça bem.
Precisa de disposição para amassar, ter paciência para esperar crescer, respeitar o seu tempo. Uma boa mão faz a diferença; o calor e um bom amasso são essenciais. Quando a massa fica pesada, é hora de ficar alerta, hora de trabalhar, mesmo se doer.
Nenhum pão é igual ao outro, nunca vai sair igual. Depende dos minutos, do clima e da química. Ninguém ama igual. Cada dia que a gente ama é um novo amor, mesmo quando se ama a mesma pessoa a vida toda.
Quando sai do forno é quente de queimar a língua. A manteiga se derrete só de encostar na casca, só de encostar a pele. Os começos têm sempre essa temperatura. E a gente sabe que vai esfriar, por isso quer fazer da primeira mordida uma eternidade e às vezes acaba engolindo sem mastigar. Indigestão à vista.
Às vezes vem inflado: fermento ou vaidade demais. Se exagerar na medida, estraga rápido, sufoca, deixa ser gostoso. Tem gente que tira o miolo para não engordar. Bobagem. No amor, quanto mais usar os miolos, mais ele fica em forma, porque sem a razão o amor se perde dele mesmo.
Com o tempo, a tendência é murchar, depois ficar seco e endurecer. Igual o amor, que é eterno enquanto dura, e morre quando duro.
Se congelar, conserva, mas o sabor nunca vai ser o mesmo, a gente percebe quando é requentado. É melhor vir em doses frescas, todos os dias, para não ficar congelado no tempo, para não precisar requentar.
Nas horas mais chatas, quando a gente enjoar do mesmo, a receita é se renovar, experimentar novas combinações, colocar ingredientes diferentes, mais açúcar, mais afeto, recheios novos. Uma pitada de especiarias exóticas revigora os sentidos.
O amor é o carboidrato da alma. O pão, o do corpo.
Agora me diga, quem é você na fila do pão?
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