Desde os meus 16 anos tenho o hábito de escrever os pensamentos e ideias dos autores que leio nos meus diários. Tenho milhares de frases anotadas. Nos três últimos anos, li incontáveis livros e artigos científicos de psicologia e de filosofia para a minha pesquisa de pós-doutorado sobre envelhecimento, autonomia e felicidade. Resultado: preenchi 12 cadernos de 360 páginas com as ideias mais importantes para escrever o relatório final da pesquisa.
Recentemente me perguntaram: “Se você tivesse que escolher um único pensamento entre os que você anotou nesses anos todos, qual você escolheria?”
Respondi sem titubear: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”, de Clarice Lispector.
Tenho incontáveis defeitos. Mas qual será o defeito que sustenta o meu edifício inteiro?
Sou ansiosa, angustiada, impaciente, obsessiva, insegura e outros defeitos bem piores que tenho vergonha de confessar. Mas acho que um dos meus piores defeitos é a incapacidade de perdoar.
Sempre tive muita dificuldade de perdoar aqueles que me machucaram, especialmente meu pai. Até hoje carrego os traumas de uma infância extremante violenta, tóxica e abusiva. Para sobreviver, e encontrar uma saída, acabei me tornando radical: se alguém me magoa ou me maltrata, no trabalho, nas amizades, na vida em geral, eu simplesmente deleto a pessoa da minha vida, para sempre. Sem perdão.
Fui traída por namorados e maridos, enganada por golpistas emocionais, humilhada no trabalho por seres arrogantes, agressivos e competitivos. Como sou considerada “a boazinha” que nunca briga ou grita, a minha única arma de defesa sempre foi me afastar completamente das pessoas tóxicas e dos vampiros emocionais. Sem perdão.
Saí de casa aos 16 anos e fiquei mais de 20 anos sem falar com meu pai. Até o dia em que minha mãe morreu, aos 62 anos. Foi então que meu pai deixou de ser o meu pior algoz: ele passou a me telefonar todas as noites para conversar e saber como eu estava. Durante cinco anos ele foi o meu melhor amigo. Aos 67 anos, ele descobriu que estava com câncer no pâncreas e morreu cem dias depois. Larguei minha vida pessoal e profissional no Rio de Janeiro e fui cuidar dele em sua casa de Atibaia. Não desgrudei do meu pai um só minuto. Foram cem dias de lágrimas.
Nos últimos anos da sua vida, eu perdoei meu pai, mas, até hoje, não consegui me perdoar. Sinto um enorme arrependimento e culpa por não ter enxergado e compreendido a fragilidade do meu pai, por não ter escutado as suas histórias de infância na Romênia e em Sorocaba, por não ter ajudado a curar o seu alcoolismo e depressão. E uma culpa ainda maior por não ter tido a força e a coragem necessárias para salvar minha mãe de um marido violento e infiel.
Tenho certeza de que perdoar aqueles que me machucaram e, principalmente, perdoar a mim mesma, seria a melhor atitude para conseguir me libertar dos meus fantasmas e demônios internos e sofrer um pouco menos com as minhas torturantes noites de insônia.
Acabei de receber um vídeo maravilhoso. Uma garota pergunta para um senhor: “Quanto desrespeito eu devo aguentar antes de cortar o contato com um amigo ou familiar?”. Ele responde: “Quanto veneno você aguenta tomar antes de morrer?”
Você é capaz de perdoar?
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