No último dia 18, Portugal teve eleições para a Assembleia da República porque em março o governo de Luís Montenegro, da conservadora Aliança Democrática (AD), havia sido derrubado ao ter uma moção de confiança rejeitada no Parlamento, depois de um escândalo de acusações de conflito de interesses relacionadas a uma empresa da família do primeiro-ministro. Foi a terceira eleição legislativa nacional em Portugal em três anos e meio.
Eleições antecipadas podem ser convocadas em situações de força maior, como em caso de morte de um chefe de governo, mas geralmente são chamadas para resolver um impasse político: quando o grupo no poder perde apoio e é necessário que um governo viável seja definido pelas urnas.
Excesso de eleições antecipadas indica uma crise de governabilidade mais profunda, que, a julgar por dados da plataforma Election Guide, da Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais (Ifes, na sigla em inglês), hoje parece atingir o mundo inteiro.
Dados do sistema da ONG americana mostram que entre 2020 e 2024 ocorreram 73 eleições nacionais antecipadas em todo o mundo. No período de cinco anos anterior (2015-2019), haviam sido 15. O aumento foi de quase 400% de um quinquênio para outro – e o divisor de águas entre os dois períodos foi a pandemia de Covid-19.
Este ano, já foram seis eleições antecipadas, que têm ocorrido em todos os continentes, como na América, onde os canadenses foram às urnas em abril devido ao desmantelamento da coalizão do ex-premiê progressista Justin Trudeau, e na Ásia, onde em 3 de junho a população da Coreia do Sul escolherá um novo presidente, após o impeachment do conservador Yoon Suk Yeol.
O foco dessa onda de eleições antecipadas, entretanto, parece ser a Europa – onde os pleitos em muitos casos não têm conseguido resolver crises políticas. Na Bulgária, seis eleições parlamentares antecipadas foram realizadas entre 2021 e 2024 porque os partidos não conseguiam chegar a um acordo para formar um governo.
Em Portugal, a coalizão de Montenegro foi a vencedora, mas novamente sem conseguir maioria na Assembleia da República.
Na França, o presidente Emmanuel Macron convocou eleições antecipadas para a Assembleia Nacional no ano passado depois que o partido de direita nacionalista Reagrupamento Nacional (RN) venceu o pleito local para o Parlamento Europeu.
Como resultado, a composição da Assembleia Nacional ficou ainda mais rachada entre esquerda, o grupo de Macron e o RN, aumentando a crise de governabilidade. Em dezembro, o Parlamento aprovou uma moção de desconfiança para destituir o primeiro-ministro indicado por Macron, Michel Barnier, a primeira vez que um premiê foi derrubado na França desde 1962.
No seu discurso de Ano Novo, o presidente francês disse que errou ao convocar eleições antecipadas. “Devo admitir esta noite que a dissolução [do Parlamento] trouxe, por enquanto, mais divisões para a Assembleia Nacional do que soluções para os franceses”, afirmou.
Nesse cenário, a direita nacionalista tem obtido grande crescimento. Em Portugal, o Chega igualou o Partido Socialista (PS) como o segundo partido com mais cadeiras na Assembleia da República, e nas eleições alemãs antecipadas de fevereiro, o Alternativa para a Alemanha (AfD) foi a segunda legenda mais votada.
Um estudo realizado na Alemanha e divulgado em março pela Universidade de Oldenburg e pelo Instituto Leibniz de Trajetórias Educacionais (LIfBi) apontou duas explicações para as dificuldades nas urnas enfrentadas por partidos e políticos tradicionais desde 2020: as consequências econômicas e sociais da pandemia e uma crise de falta de confiança nas autoridades.
“Tempos de crise frequentemente levam a um aumento de curto prazo na confiança nos políticos. No entanto, quanto mais tempo a crise dura e quanto maiores os efeitos sociais e econômicos, maior a probabilidade de que esse efeito seja revertido. A queda na confiança no governo federal e no Bundestag [Parlamento alemão] no segundo ano da pandemia demonstra isso claramente”, explicou a coordenadora da pesquisa, Gundula Zoch.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Rodrigo Prado, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirmou que o isolamento social da pandemia acelerou as conexões por meio de redes sociais, ao mesmo tempo em que gerou temores e sentimentos que figuras da direita nacionalista sabem traduzir melhor.
“Eles conseguem mobilizar não só as redes sociais com uma eficiência muito maior do que, por exemplo, os progressistas e os social-democratas, mas também numa quantidade muito volumosa, conseguem ser muito superiores a outras narrativas no campo da disputa política”, disse Prado.
“Eles conseguem, sim, captar esses sentimentos da população e torná-los sentimentos reverberados pela força dos algoritmos das redes sociais”, acrescentou.