Não houve distribuição de presentes, mas cerca de cem moradores do Crusp (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo) que passaram esse Natal em seus alojamentos ganharam uma ceia coletiva na noite desta terça (24), com lasanha, frango e maionese, entre outros quitutes, além de guaraná e um garrafão de vinho tinto suave para dividir.
Como vem sendo feito nos últimos anos, a própria USP doou a maior parte dos alimentos aos estudantes, uma vez que os bandejões universitários, que servem café da manhã (a R$ 0,50), almoço (R$ 2) e jantar (idem) quase todos os dias do ano, não funcionam na noite de Natal nem no almoço do dia seguinte —e o mesmo acontece uma semana depois, no Ano Novo.
Compete, então, à associação de moradores (AmorCrusp) organizar voluntários para fazer as refeições para esses dias nas cozinhas dos alojamentos. Exemplos da doação: 24 kg de lombo suíno, 5 kg de alho, seis baldes de 2 kg de azeitonas verdes fatiadas, um único pacote de 100 gramas de cravo e —tremei, infiéis— 2 kg de uvas-passas para adicionar ao arroz.
“O difícil é controlar cada forno, pois como cada cozinha tem só um ou dois fogões, temos carne assando em diversos prédios ao mesmo tempo”, conta o voluntário Michel Gonçalves, estudante de química que ajuda com as panelas no prédio F.
A ceia foi servida em um salão da associação sem mesas, apenas cadeiras, para algo entre 100 e 200 pessoas, já que ela é aberta a qualquer morador e ninguém sabe quantos estão por ali no Natal. Os estudantes não sabem nem mesmo quantos deles moram no Crusp.
“Entre 1.000 e 1.200”, diz o presidente da AmorCrusp, o estudante de relações internacionais carioca Daniel Lustosa, 22. “Mesmo a reitoria não tem controle exato.”
Em agosto, a reitoria tentou cercar os sete edifícios residenciais com grades e implementar um controle de entradas e saídas feito por funcionários. A AmorCrusp, que diz não ter sido informada por antecedência, conseguiu interromper o projeto.
Em maio, e depois novamente em agosto, estudantes denunciaram ter sido estupradas no conjunto residencial. “Pelo que sabemos, o acusado do segundo caso foi expulso do Crusp, mas segue estudando na USP. A outra vítima [do caso de maio] conseguiu medida protetiva medida, mas o acusado apenas mudou de bloco residencial. A gente luta pela expulsão do Crusp e da USP”, afirma Lustosa.
Outro ponto de conflito é a existência de moradores irregulares, um problema que resiste há décadas no conjunto que recentemente completou 60 anos. Há diversas modalidades, como os que trazem namorados para morar junto, ou os estudantes matriculados na universidade, grande parte como cotistas, mas que não passaram no critério socioeconômico para moradia grátis. Muitos desses acabam sendo acolhidos por outros moradores. “Talvez haja uns 100 ou 200 assim”, diz Lustosa.
Há ainda os sem vínculo, como os que foram jubilados ou concluíram um curso, mas tentam reingressar na universidade. E há ainda os que já se formaram, mas não saíram. “Esses são algumas dezenas”, diz o presidente da AmorCrusp.
Segundo Lustosa, a associação entende que as vagas são para estudantes. “Mas não concordamos com a expulsão desumana desses formandos. No nosso entender, a USP precisa ter algum programa com o governo do estado ou com a prefeitura e fornecer moradia para quem se formou, mas ainda não conseguiu emprego.”
Hoje, o Crusp possui oito prédios um tanto precários, um deles desocupado por estar em reforma. No geral, possuem seis andares, com 11 apartamentos por andar. Em cada apartamento, há um espaço comum com banheiro e cozinha e três quartos individuais de aproximadamente 2 m por 4 m. Em alguns corredores, há entulho de móveis velhos.
Quem mora lá tem direito a luz, água, internet (alvo de muitas reclamações) e R$ 300 mensais para despesas. Também é possível trocar todos esses benefícios por R$ 800.
Foi isso o que fez o estudante de química mineiro Matheus Median. Ele passou cerca de um ano em um dormitório, mas reclama que o local alagava, era mofado e escuro, pois as lâmpadas queimavam o tempo todo.
Assim, ele preferiu se mudar para a favela São Remo, ao lado de um dos portões da Cidade Universitária. “Pago R$ 600 por uma casinha de quarto e sala”, diz ele. “Lá, moram muitos estudantes e funcionários da USP. É superseguro tem melhor infraestrutura do que o Crusp”, afirma o rapaz.