Caso você tenha acompanhando as premiações científicas do Nobel deste ano, deve ter reparado a ausência de pesquisadoras laureadas. Isso não tem sido incomum nas últimas duas décadas, com 12 anos —incluindo 2024— sem a presença de mulheres entre os ganhadores nas áreas de Medicina, Física e Química.
Neste ano, considerando todas as categorias do prêmio, somente uma mulher foi laureada. Han Kang, escritora da Coreia do Sul, recebeu o de Nobel de Literatura por sua “percepção única das conexões entre corpo e alma, entre os vivos e os mortos, e por seu estilo poético e experimental, que se tornou inovador na prosa contemporânea”. Segundo o comitê do Nobel, a prosa poética da escritora confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana.
Um prêmio feminino solitário não é novidade na história do Nobel. Durante toda a sua existência (desde 1901, com alguns anos sem premiações), foram 33 anos —novamente contando com 2024— em que só uma mulher foi premiada entre todas as categorias da láurea. A última vez havia ocorrido em 2021, quando a jornalista Maria Ressa, das Filipinas, levou o Nobel da Paz, junto com o russo e também jornalista Dmitry Muratov.
Em toda a história do prêmio, mais de uma mulher ganhando um Nobel foi algo que só foi acontecer em 1976, quando Betty Williams e Mairead Corrigan dividiram a láurea da Paz.
Quinze anos depois, em 1991, mais duas foram premiadas no mesmo ano —outra laureada da Paz, Aung San Suu Kyi; e uma laureada em Literatura, Nadine Gordimer.
Mais treze anos se passaram, agora em 2004, e três ganharam —Linda B. Buck, em Medicina; Elfriede Jelinek, em Literatura; e Wangari Maathai, da Paz.
Ao todo, houve 77 anos sem premiações femininas.
Voltando às láureas científicas, neste 2024 o de Medicina ficou com Victor Ambros e Gary Ruvkun pela descoberta dos microRNAs; o de Física, com John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton, pioneiros da inteligência artificial; e o de Química, com David Baker, Demis Hassabis e John Jumper, por criação e identificação de estrutura de proteínas.
A última vez em que nenhuma mulher havia sido premiada em uma mesma edição nessas três categorias foi no nada longínquo 2021.
Os últimos anos, inclusive, representavam uma sequência raras vezes vista de pesquisadoras lembradas pelo Nobel: dois anos seguidos com láureas científicas femininas —o recorde.
Durante toda a sua existência, o Nobel destinou 26 láureas científicas para mulheres, enquanto homens ficaram com 627 prêmios, ou seja, 4% e 96% do total, respectivamente.
Entre as laureadas, está Marie Curie (1867-1934), primeira mulher a receber um Nobel, o de Física em 1903, pelas pesquisas sobre radiação —ela o ganhou com seu marido, Pierre Curie (1859-1906), e o físico Henri Becquerel (1852-1908). Em 1911, a polonesa também se tornou a primeira pessoa a ter duas láureas, ao ser premiada com o de Química pela descoberta dos elementos polônio e rádio, que revolucionou o tratamento de câncer (radioterapia). Mais tarde, em 1935, a filha dela, Irène Joliot-Curie (1897-1956), também ganhou o de Química.
Em alguma medida, os dados sobre a baixa presença de mulheres entre os laureados com o Nobel ao longo da história podem ser representativos das travas impostas a elas para acesso às universidades durante o século 20 —o que não as impediu, porém, de participar de invenções e descobertas, como bem mostram as láureas femininas durante esse período.
Vale mencionar também como é feita a escolha de um ganhador de Nobel. Trata-se de um processo subjetivo de indicações, escolhas e votação.
Em linhas gerais, os comitês do Nobel, após indicações recebidas —de pessoas competentes convidadas pelos próprios comitês—, são os responsáveis por apontar os finalistas ao prêmio. Há, então, uma votação para definir quem levará as láureas.
Neste ano de 2024, por exemplo, os membros dos comitês de Medicina, Física e Química são, em sua maioria, homens —14 pesquisadores e quatro pesquisadoras. Esses membros são eleitos para mandatos de três anos.