A gestão da ministra da Saúde, Nísia Trindade, em 2024, ficou marcada por críticas que partiram do próprio presidente Lula (PT), além da pressão do Centrão para ampliar o controle sobre o orçamento da pasta.
A ministra ainda enfrentou a explosão de casos da dengue e a falta de alguns modelos de medicamentos e vacinas em todo o país, como doses do calendário infantil e contra a Covid.
Para integrantes do governo e gestores do SUS (Sistema Único de Saúde) que acompanham as ações da pasta, a sequência de crises tornou Nísia mais vulnerável em uma eventual reforma ministerial, ainda que não haja indicativos sólidos de que ela será substituída.
Um dos argumentos mais repetidos por estas autoridades é de que a ministra já perdeu a margem para culpar a gestão Jair Bolsonaro (PL) por críticas que hoje atingem à pasta.
Em nota, o ministério disse que a gestão reverteu o cenário de “desmonte do SUS” e obteve “resultados concretos”, como aumento de coberturas vacinais infantis e investimentos em diversas áreas.
“Destaca-se o notório crescimento da Atenção Primária à Saúde, porta de entrada do SUS e cuja ampliação reduz o adoecimento da população. Foram criadas mais de 4,7 mil novas equipes de Saúde da Família e, atualmente, com 26,7 mil profissionais do Mais Médicos —o dobro em relação a 2022, 60% deles em regiões de maior vulnerabilidade”, escreveu a pasta.
O Ministério da Saúde ainda destacou que o programa Farmácia Popular ampliou o rol de produtos entregues gratuitamente. Afirmou também que o Brasil saiu da lista dos 20 países com mais crianças não vacinadas no mundo e recebeu o certificação de país livre do sarampo, que havia sido perdido em 2019, primeiro ano de Bolsonaro no poder.
A pasta também disse que o Programa Mais Acesso a Especialista deve investir R$ 2,4 bilhões no próximo ano “com saúde digital, desburocratização e gerenciamento eficiente das filas”.
O auge do desgaste político da ministra em 2024 se deu ainda no primeiro trimestre. Ela foi cobrada por Lula durante uma reunião ministerial, em março, quando a pasta estava sob críticas por causa da epidemia de dengue e da situação dos hospitais federais no Rio de Janeiro, entre outros temas.
No começo do ano, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) já havia tornado públicas as queixas do Centrão sobre o ritmo de liberação de emendas e supostos privilégios dados pela Saúde a aliados do governo. O ministério reagiu ao grupo de Lira e disse que adota critérios técnicos.
Em paralelo, alterou regras para aumentar o limite de recursos que deputados e senadores poderiam enviar aos seus redutos antes da disputa municipal.
Para contornar as críticas no campo político, inclusive àquelas feitas dentro do governo, o ministério ainda promoveu mudanças no primeiro escalão, com a troca de dois dos oito secretários, além de substituições no gabinete e equipe de comunicação da ministra.
Em meio às especulações sobre demissão da ministra, diversas entidades e grupos científicos e médicos divulgaram notas, no fim de março, declarando apoio à permanência dela no cargo.
O próprio presidente também atuou para amenizar a pressão sobre a ministra. Em julho, ele afirmou que Nísia seguiria no governo.
“[Em uma nota no jornal] Tinha alguém reivindicando o Ministério da Saúde, eu fiz questão de ligar para a Nísia, porque eu ia viajar para fora do Brasil. Nísia, vá dormir e acorde tranquila, porque o Ministério da Saúde é do Lula, foi escolhido por mim e ficará até quando eu quiser”, disse Lula.
“E eu tenho certeza que poucas vezes na vida a gente teve a chance de ter uma mulher no Ministério da Saúde para cuidar do povo com coração como mãe cuida dos seus filhos”, completou.
Aliados de Lula não descartam a saída de Nísia do governo em 2025, mas a mudança não está entre as principais apostas em uma eventual reforma ministerial. Um dos cenários debatidos no governo, no entanto, é de que uma troca na SRI (Secretaria de Relações Institucionais) levaria o atual titular da pasta, Alexandre Padilha (PT-SP), ao comando da Saúde, cargo que ele já exerceu em gestões petistas anteriores.
O governo ainda foi alvo de críticas por causa da maior epidemia de dengue já enfrentada pelo país. O próprio presidente Lula se queixou da resposta dada pela pasta à crise sanitária. Na reunião ministerial de março, o petista apontou que houve uma confusão na campanha de vacinação contra a doença, dando a entender que havia imunizantes para toda a população.
A dengue matou ao menos 5.987 pessoas em 2024, ano mais letal da arbovirose no país, segundo dados desta quarta-feira (25) , enquanto em 2023 foram registradas 1.179 mortes.
A falta de diversos modelos de vacinas também desgastou a gestão de Nisia.
Em setembro, a CNM (Confederação Nacional dos Municípios) divulgou estudo afirmando que 1.563 dos 2.415 prefeitos que responderam à entidade relataram desabastecimento dos imunizantes destinados ao público infantil. Como a Folha mostrou, o SUS ainda ficou praticamente sem doses da vacina da Covid-19 em outubro após o governo perder imunizantes pelo fim da validade e reduzir entregas.