Indicado pelo presidente eleito Donald Trump para comandar a Nasa, Jared Isaacman voou duas vezes em missões da SpaceX, investiu dinheiro em pesquisa e desenvolvimento para o programa Polaris, da empresa espacial, e, até novembro, elogiou a startup liderada por Elon Musk como “uma das maiores histórias de sucesso americanas”.
Nenhum outro escolhido para liderar a Nasa esteve tão envolvido com um contratante tão indispensável como a SpaceX, a única opção real dos Estados Unidos para enviar pessoas ao espaço no momento.
Isaacman, o bilionário empreendedor e executivo de tecnologia de 41 anos, carrega um impressionante “currículo espacial” para o cargo. Tem um bacharelado em aeronáutica e ampla experiência em treinamento de astronautas e aviação. Pilota caças, possui uma frota de aviões e fundou uma empresa de treinamento militar.
Diferentemente de Trump, ele não se manifesta de forma efusiva sobre Musk em público, porém ele vai para a agência espacial americana com uma mentalidade favorável à SpaceX.
“A SpaceX é uma das maiores histórias de sucesso dos EUA”, disse Isaacman à Bloomberg News em novembro, antes de sua nomeação.
“É a organização mais inovadora e impressionante que já vi, e eles fizeram coisas que ninguém mais fez.”
Como administrador da Nasa, Isaacman vai supervisionar um orçamento de quase US$ 25 bilhões, dos quais a SpaceX se tornou uma grande beneficiária. E, com a agência enfrentando um orçamento em declínio pela primeira vez em mais de uma década, ele provavelmente terá de fazer cortes. Isaacman expressou abertamente seu desdém por programas governamentais lentos e custosos, incluindo os na Nasa, alguns dos quais fornecem bilhões de dólares aos maiores rivais da SpaceX.
“Praticamente tudo o que queremos comprar como nação e que precisamos leva mais tempo e custa mais do que o esperado”, afirmou Isaacman à Bloomberg News.
Ele criticou o foguete Space Launch System (SLS), construído pela Boeing e projetado para levar futuros astronautas até a Lua como parte do programa Artemis, por ser muito caro. Também criticou a agência por financiar um segundo módulo lunar, que está sendo construído pela Blue Origin, de Jeff Bezos.
A Boeing se recusou a comentar o tema. Representantes da Blue Origin e da SpaceX não responderam aos pedidos da reportagem.
A SpaceX também tem contratos no âmbito do Artemis, mas Musk prometeu que seu foguete pode fazer o que o da Boeing faz por muito menos dinheiro, o que provavelmente atrai Isaacman, segundo Garrett Reisman, ex-astronauta da Nasa e diretor da SpaceX.
“Ele é um grande fã de como a SpaceX conduz seus negócios e da qualidade da engenharia, de quão rápida a empresa se move, de quão destemida é”, disse Reisman. “Ele não é fã da mentalidade tradicional da indústria aeroespacial, que é ir devagar, fazer uma abundância de análises e atrasar os testes de hardware.”
Um representante de Isaacman não respondeu a um pedido de comentário. O atual administrador da Nasa, Bill Nelson, afirmou na semana passada que não estava preocupado que a nova administração eliminasse o SLS em favor do Starship, da SpaceX, que ainda está em desenvolvimento.
Isaacman já disse antes que acredita em uma indústria espacial diversificada.
“Não quero que a SpaceX desista da vantagem”, disse o bilionário à Bloomberg em novembro. “A única maneira de manter essa vantagem é sentindo que alguém está vindo logo atrás deles.”
Uma chamada telefônica fatídica
A primeira grande parceria de Isaacman com a SpaceX começou durante uma ligação logo após o empresário se tornar bilionário, quando abriu o capital de sua empresa de processamento de pagamentos, a Shift4, em 2020.
“Acabei de perder a oportunidade em uma rodada de financiamento que encerrou”, disse ele ao podcast Axios em 2021. “Eu estava conversando com pessoas lá, e estava tentando fazer de tudo para que me deixassem investir, porque sou um grande entusiasta da SpaceX.”
Naquela conversa, Isaacman mencionou que gostaria de voar para o espaço com a empresa um dia. No ano seguinte, ele anunciou que comprou uma viagem para uma tripulação de quatro pessoas em uma das cápsulas Dragon, da SpaceX. Embora aventureiros ricos já tivessem adquirido passeios para a órbita para si mesmos antes, foi a primeira vez que um indivíduo comprou um voo inteiro de uma nave, com a promessa de levar outros astronautas privados junto na jornada.
Dentro de um ano, voou com a SpaceX na Inspiration4 —a primeira missão de astronautas totalmente civis a orbitar. Diversas vezes, Isaacman se recusou a dizer quanto gastou nos assentos, o máximo que revelou ao Axios foi que gastou menos de US$ 200 milhões —um assento na Dragon para quatro pessoas é estimado em cerca de US$ 55 milhões pela Nasa.
Desde então, ele se tornou uma espécie de financiador pessoal da SpaceX. Em 2021, a Shift4 fez um investimento de US$ 27,5 milhões na empresa. No ano seguinte, Isaacman anunciou que estava financiando um programa de pesquisa e desenvolvimento na empresa chamado Polaris, que cobriria três missões com o objetivo de avançar no voo espacial humano na startup.
O lançamento inicial ocorreu em setembro. Nessa missão, Isaacman realizou a primeira caminhada espacial comercial do mundo em órbita com um traje espacial recém-projetado da SpaceX. As segunda e terceira missões ainda não foram anunciadas. O voo final está previsto para ser a primeira missão tripulada do foguete Starship, da SpaceX, o veículo gigante que a empresa vem desenvolvendo para chegar à Lua e, também, a Marte.
Evitando conflito
Os administradores da Nasa têm tido currículos variados, incluindo uma mistura de ex-astronautas, políticos de carreira e funcionários públicos de longa data na agência. Alguns também saíram da indústria espacial.
Daniel Goldin, por exemplo, era vice-presidente da empresa de defesa TRW Space and Technology Group quando foi nomeado administrador da agência em 1992. Ele vendeu suas ações antes de assumir o cargo —não está claro se Isaacman possui ações na SpaceX. A Nasa também está submetida a leis destinadas a garantir imparcialidade na escolha de contratados para trabalhos.
Alguns administradores foram além para evitar politização. Quando trabalhava como administradora-adjunta da Nasa durante a presidência de Barack Obama, Lori Garver às vezes evitava ser informada sobre seleções de contratos para evitar qualquer viés potencial, ela disse à Bloomberg.
Ainda assim, a maioria das decisões importantes acaba chegando ao administrador, o que significa que Isaacman teria que tomar decisões que impactam uma de suas empresas mais defendidas.
“O administrador, em última instância, é o líder que determina a agenda”, disse Garver.
Para Isaacman, fazer cortes hipotéticos —como propor o cancelamento do SLS, da Boeing— pode se provar difícil. O foguete recebeu um substancial apoio político, especialmente de legisladores republicanos no Alabama e em outros lugares onde seu desenvolvimento sustenta milhares de empregos. O Congresso já bloqueou tentativas de cancelar o veículo e tem fornecido financiamento consistente para ele.
Em relação às críticas por ter laços tão profundos com a SpaceX, Isaacman disse à Bloomberg que outros empreiteiros governamentais dominantes frequentemente não são contestados.
“Temos uma empresa que fabrica nossos porta-aviões”, afirmou ele. “O Congresso comprará mísseis Tomahawk todos os anos da mesma empresa, quer precisemos ou não. Ninguém se importa, porque não é a empresa de Elon Musk.”