07 – 08 – 12 – 27 – 37 – 43 – 49. A tática dos números seguidos (7 – 8) é infalível. Passei uma semana ansiosa: o que fazer com tanto dinheiro?
A fila da lotérica era grande, democrática. Tinha de tudo. Pessoas diferentes que, em comum, tinham os mesmos olhares esperançosos. Uns seguravam o trocado amassado na mão, outros seus cartões de crédito Master-Platinum-Prêmium-Plus. A cada minuto de espera, seus sonhos iam se multiplicando. A casa própria, o apartamento em Manhattan de frente para o Central Park, o prato com comida, o apartamento no Leblon de frente para o mar, o food truck de hot-dog, o carro zero quilômetro, a cirurgia plástica. Eu tinha só um sonho: ganhar na Mega-Sena.
Não tenho a mínima ideia do que sejam R$ 600 milhões, pra mim passou do milhão é tudo a mesma coisa. Só sei que é uma bolada. Comecei a fazer os cálculos e arredondei os valores para facilitar a conta cheia de zeros.
Me veria obrigada a mudar de endereço, porque o meu atual não comporta milionários. Um bairro luxuoso, uma cobertura talvez, ou uma casa com piscina: menos uns R$ 30 milhões na conta. Para manter tudo isso, teria o piscineiro, o jardineiro, os seguranças, o staff, os vizinhos abastados. Me deu um pouco de preguiça, mas logo me animei com o spa particular que me resgataria desse cansaço.
Mais uma dívida: uma casa nova para meus pais e outra para minha sogra, que faço questão que morem no bairro, desde que que não morem nem tão longe a ponto de eles chegarem de malas à minha casa e nem tão perto a ponto de chegarem de pantufas.
E tem o pacto com os amigos da vida: além de jurar que nada afetaria a nossa amizade —que seria eterna, na riqueza e na pobreza, blá blá blá—, prometemos que quem levasse o prêmio daria R$ 2 milhões para o outro. Nessas seriam mais R$ 8 milhões, ou melhor, menos 8 milhões para mim.
As dívidas e os compromissos viraram uma bola de neve. Fui congelando. Nunca tinha perdido tanto dinheiro assim na vida.
Isso sem contar as viagens. Eu não precisaria mais enfrentar o trânsito de sete horas na estrada e ficar na pousada três estrelas da praia, que fica debaixo de um milhão de estrelas. Meu helicóptero me levaria direto para um hotel sete estrelas, onde eu substituiria o café da manhã com um pão com manteiga e água de coco por um desjejum com ovas de caviar regado a trufas brancas de Alba e um brioche amanteigado.
Em uma semana a vida mudaria radicalmente: em vez de lutar para ganhar dinheiro, o desafio seria lutar para não perder dinheiro. O medo de perder o celular no farol seria substituído pelo medo de ser roubada por funcionários ou golpistas. Eu já não sabia mais quem seriam os amigos de verdade, os sorrisos de verdade, os desejos de verdade.
Mas, contra todas as previsões, eu não ganhei. Deu 01 – 17 – 19 – 29 – 50 – 57. O sorteio errou os números contra as minhas certezas. A matemática errou, dois e dois nem sempre são quatro, tudo depende das premissas iniciais e de onde nos encontramos.
O teste da pobreza é cruel, mas o teste da riqueza pode não ser fácil. Eu só estaria preparada para ele, se o destino me prometesse que minha vida seria exatamente a mesma, só que com R$ 600 milhões a mais na conta. Existe isso?
Ano que vem tento de novo.
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