Milton Leite, 68, está cansado. “Se puder viver, vai viver”, aconselha o político ao fim da entrevista, interrompida três vezes por ligações no celular. Ele diz que não aceitará nenhum cargo do prefeito Ricardo Nunes (MDB), não voltará a concorrer à diretoria do Corinthians e tampouco revelará o lugar onde pesca.
O mais longevo presidente da Câmara Municipal de São Paulo está de saída, 28 anos e 7 mandatos depois, mas rejeita a fama de mandachuva da cidade e diz ser respeitado pelos vereadores por buscar sempre o diálogo. “Pergunte para eles, se eu tivesse sido reeleito, quem seria o presidente”, afirma.
Líder municipal do União Brasil, ele evita revelar quem prefere como seu sucessor, que será votado pelos novos vereadores em 1º de janeiro. “Todos do União podem ser presidentes”, desvia, respondendo ainda que não vê problema em uma eventual radicalização bolsonarista na próxima legislatura.
Sobre Nunes, Leite faz questão de dizer que tem uma relação próxima, citando visitas semanais, e calcula que conseguiu 700 mil votos nas periferias para a reeleição do emedebista, com o apoio da legenda. Apesar disso, repete que não quer nada em troca e rebate críticas sobre ser subserviente ao prefeito.
O vereador não vê a possibilidade de um rompimento da concessão dos ônibus de São Paulo às empresas UPBus e Transwolff. “Não tem PCC”, diz ele sobre a última. Ambas foram denunciadas em abril sob suspeita de ligação com a facção. O Ministério Público incluiu Leite apenas como testemunha, mas ainda investiga se ele seria sócio oculto da empresa.
Como o senhor avalia seu tempo na Câmara de São Paulo?
Fizemos de tudo aqui desde o primeiro dia. Uma das coisas que sempre tive foi pedir uma gestão mais enxuta. Conseguimos melhorar a qualidade do serviço e do gasto, fazendo economias sucessivas e diminuindo gastos em 20%. Estamos devolvendo, ao final de seis anos de mandato, R$ 1,2 bilhão ao Tesouro. Modernizamos a Casa e melhoramos a segurança. Quando eu cheguei aqui, nós tínhamos 83 boletins de ocorrências internos, com reclamações de roubos, furtos. Eu zerei.
Durante todo esse tempo o senhor quase nunca foi oposição. Como conseguiu?
Fui oposição no governo da Marta [Suplicy (PT)], sim. Nós somos eleitos, basicamente, para fiscalizar o Executivo. Mas o prefeito eleito leva uma proposta, que é a vencedora. O Ricardo ganhou, e a Câmara é parte desse processo. Fui oposição ao governo [Fernando] Haddad [PT], por exemplo, mas convivia bem com ele, reconhecendo que ele tinha um compromisso. Nós temos que colaborar, não tem que apedrejar.
Sob a sua presidência, a Câmara aprovou todos os projetos da gestão Nunes. Foi uma subserviência ao Executivo?
Nunca. Nós discutimos. Nunca uma proposta do prefeito saiu daqui como chegou. Tanto que ele vetou lei, eu alterei lei, derrubei veto. Nós tivemos divergências no campo democrático, é natural. Se não, não havia CPI nenhuma, e há CPI toda hora aqui. O prefeito vai quase quatro vezes por semana na minha casa tomar café comigo, chega às 7h, ele é meu vizinho. O [João] Doria [PSDB] a mesma coisa, me ligava às 5h da manhã, e o Bruno [Covas (PSDB)] também. Estamos chegando perto de cem temas aprovados nesta gestão. Não aceito subserviência a ninguém, prova disso é que não aceito ser secretário de ninguém, dele [Nunes] nem de quem quer que seja.
O senhor conseguiu mudar as regras e se reeleger três vezes, com apoio até do PT. O que acha sobre a fama de mandachuva da cidade?
Eu não aceito essa etiqueta de mandachuva, é justamente o contrário. Nesta sala eu mantenho o diálogo com todos. Eles discutem o tempo todo, o pau tora. Toda manhã eu ligo, falo com os vereadores, falo com os líderes, se topa ou não isso, aquilo. Esse respeito se conquista dialogando. Eu sou o presidente dos 55 vereadores. Pergunte para eles, se eu tivesse sido reeleito, quem seria o presidente. Eles estariam me reconduzindo sem eu pedir. Quando eu mudei [a regra de reeleição] eles que me pediram, para pacificar a Casa. Ontem eu passei o dia defendendo o pagamento das emendas do PSOL, muitos atrasados. O prefeito falou “você tem razão” e liberou.
Quem deverá sucedê-lo na presidência da Câmara?
Os acordos foram feitos com o União Brasil, então todos do União Brasil podem ser presidentes.
O senhor defende algum nome?
Eu quero a paz no União. Estou conversando, mas está difícil. Quando há mais de três ou quatro pleiteando, o que você faz? O que nós temos certo é que, escolhido o nome, todos saem unidos.
O Rubinho Nunes, após atrito com o prefeito, ainda está no páreo?
Sendo vereador do União, sim. É mais difícil? É, mas eu não largo ninguém na estrada. Pode ter se desgastado um pouco junto ao prefeito [ao apoiar Pablo Marçal]. Mas quando você ouve o outro lado, tem uma compreensão. Ele entendia que havia risco na perda do mandato e fez a opção. Ele nunca bateu no prefeito, ele tem um respeito enorme pelo prefeito.
Falam também de outros nomes, como o Ricardo Teixeira e o Silvão Leite.
A Amanda [Vettorazzo] pleiteia, o Silvinho [Leite] pleiteia, a pastora Sandra Alves pleiteia.
Há algum problema se for um vereador estreante?
Nenhum.
O Marçal tem dito que sua mudança para o União está certa. É verdade?
Não está havendo negociação, é um boato. Quando e se houver discussão, eu participarei.
Qual acordo o União tem com o prefeito?
Temos um acordo. Dar sustentação ao prefeito Ricardo Nunes nesse mandato que nós defendemos nas urnas. Nós conseguimos trazer cerca de 700 mil votos no primeiro turno para ele. É significativo.
Qual é o interesse do União em pedir ao prefeito as secretarias de Mananciais e de Defesa dos Animais?
Não é do partido, é do povo. Temos duas “caixas d’água” que atendem só na zona sul 5,3 milhões de pessoas, as represas Billings e Guarapiranga. São 5,3 milhões de pessoas que bebem daquela água e ela está degradada. E eu não pedi as pastas para mim, eu pedi a criação delas.
O que o União vai pedir em troca dessa sustentação ao governo?
Nada. O maior exemplo sou eu, eu não aceito cargo nenhum dele, nenhum. Se o prefeito achar oportuno, que escolha dentro dos quadros do União. Agora, é natural que você participe de um governo se disputou ao lado dele.
A prefeitura cogita uma nova licitação para substituir as empresas de ônibus Transwolff e UPBus. A troca é viável?
Não. Uma concessão para se romper tem que ter um motivo muito forte. As duas empresas têm naturezas diferentes. Na Transwolff não tem PCC, ao contrário do que a imprensa fala. Não vou responder pelo outro lado [UPBus] porque não conheço muito. A Trasnwolff tem um problema da área econômica, de gestão, que, segundo eu soube, está sendo sanado. Só. Então não é motivo para caducidade.
O senhor ainda tem contato com Pandora [Luiz Carlos Pacheco, dono da Transwolff], depois que ele foi preso?
Ele sempre foi vizinho da gente, trabalhou, se falar que ele era do PCC, eu não acredito em hipótese nenhuma, tanto que a Justiça soltou. A acusação principal é que houve lavagem de dinheiro [para o PCC], e ficou provado que não houve. Eu não tenho contato com ele, porque como o Ministério Público disse que eu sou testemunha, não posso falar com o eventual acusado. […] Eu não tenho sociedade nenhuma com a Transwolff. Ele contratou o aluguel de uma propriedade minha e, em 2016, comprou a propriedade, e só. Não tem nenhuma relação minha com ele.
O que o senhor pretende fazer agora? Vai para o Corinthians [ele tentou a vice-presidência em 2023]?
Já estou voltando para a minha construtora. No partido permaneço mais dois, três anos, até após a eleição de governador. E do Corinthians, já desisti. Lá tem mais política do que aqui [na Câmara], meu Deus. E eu já não quero fazer política nem aqui.
Raio-x | Milton Leite, 68
Nascido em São Paulo, Milton Leite da Silva ocupa a cadeira de vereador desde 1997 e presidiu a Câmara Municipal por seis anos —em 2017 e 2018 e de 2021 a 2024. Ele lidera o União Brasil na capital e é tesoureiro do diretório estadual. Empresário desde os 22 anos, também é dono da construtora Neumax e de empresas de perfurações e sondagens.