Dionete da Silva Cardoso relata que começou a trabalhar com extrativismo na amazônia ainda na infância com o pai, seringueiro. Quando casou, aos 16 anos, ela se tornou empregada doméstica. Até que, em 2015, ingressou em um projeto de coleta de sementes que mudou a sua vida.
Hoje, com 48 anos, Dionete tem nove filhos e sete netos. Ao lado do marido, ela sustenta a família através do seu trabalho na coleta de murumuru, ucuuba e patauá. Esses frutos amazônicos possuem óleo e manteiga, bases essenciais para produção de diversos cosméticos.
“A gente via esses frutos na natureza e dizia que poderia ser proveitoso para fazer algo. Aí, a empresa Natura trouxe o projeto para o nosso meio de mulheres e abraçamos a causa. Vimos que o desafio era bom, legal. E gerou renda familiar”, diz.
Dionete faz parte das 470 famílias extrativistas beneficiadas na região com o lançamento da primeira agroindústria movida a energia solar em área de várzea do Brasil, localizada na Ilha das Cinzas, no arquipélago do Marajó (PA).
Além da coleta, a comunidade aumentará a sua renda, agora com a agroindústria, em 60% por meio da produção da manteiga e do óleo extraídos das sementes —antes, os trabalhadores lucravam apenas com a venda da matéria-prima.
A extrativista Jesuína Batista Rocha, 39, celebra o crescimento do projeto como uma conquista das mulheres que acreditaram no trabalho sustentável desde o início. Ela afirma que, no passado, as extrativistas sofreram preconceito pelo cheiro das frutas impregnado na pele, principalmente dos homens. Contudo, diz ela, agora a comunidade entende a importância e também abraça a causa.
“A nossa união foi muito importante. Uma pegou na mão da outra”, declara. “O trabalho melhorou a nossa renda. Conseguimos comprar mais coisas para dentro das nossas casas. Algo bom para nós, mulheres. Isso é mais uma evolução na comunidade, que se integrou mais a nós”.
Lançada oficialmente no dia 23, a agroindústria é resultado de uma parceria entre a Ataic (Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas) e as empresas Natura Cosméticos e WEG, do segmento de equipamentos eletroeletrônicos.
A agroindústria opera com sistema fotovoltaico e armazenamento de energia em baterias, eliminando a dependência de geradores a diesel, o que também reduz os custos. O projeto-piloto de sucesso, com adaptações exclusivas para áreas alagáveis, como a Ilha das Cinzas, poderá ser desenvolvido em outros lugares.
“Com esta iniciativa, demonstramos na prática como soluções contribuem para a transição energética justa, oferecendo um modelo replicável para outras regiões da amazônia e comunidades isoladas”, diz Daniel Godinho, diretor de sustentabilidade e relações institucionais da WEG.
A expectativa é que, com a nova estrutura energética, a Ataic consiga aumentar a produtividade de forma sustentável, oferecendo melhores condições econômicas e sociais às famílias. A associação atende comunidades extrativistas dos municípios de Afuá, Gurupá, Breves, Chaves e Anajás, no Pará, e Mazagão, no Amapá.
Para Angela Pinhati, diretora de sustentabilidade da Natura, a iniciativa é um exemplo de como impulsionar negócios, de menor impacto ambiental, alinhados às metas de zerar emissões líquidas de carbono até 2030.
A multinacional afirma que pretende transformar toda a sua operação em regenerativa até 2050, por meio de ações que envolvam emissões negativas de carbono, conservação da biodiversidade e progresso social.
“A agroindústria sustentável traz novos desafios para a própria comunidade, como cuidar agora das baterias, do sistema elétrico. A associação precisa ter conhecimento técnico eletromecânico, então passará por capacitações. Agora o jovem da comunidade não precisará deixar a sua casa”, pondera Pinhati.
Desmatamento no Pará
A principal ameaça na produção das extrativistas é o desmatamento. Elas têm uma meta para este ano de entregar oito toneladas de sementes, que são colhidas no chão da floresta ou boiando no rio, sem precisar derrubar árvores.
De acordo com a Ataic, a expectativa é que sejam sete toneladas de murumuru e uma tonelada de ucuuba, que sofre com a pressão de derrubada de sua árvore. As extrativistas relatam que, no início do projeto, chegaram a coletar até 12 toneladas de ucuuba por ano para a Natura.
A ucuubeira, hoje na lista de espécies da amazônia ameaçadas de extinção, é alvo do desmatamento devido a sua madeira que é utilizada para confecção de cabo de vassoura, batente de porta, viga de telhado, carvão vegetal, entre outros.
O Pará foi o segundo estado mais desmatado em 2024, com a perda de 156.990 hectares de floresta, conforme o mais recente RAD (Relatório Anual do Desmatamento), da rede MapBiomas. Apesar do volume, o estado sede da COP30 (conferência do Clima das Nações Unidas) registrou uma redução quando comparado a 2023, que registrou supressão de 184.673 hectares de mata.
A equipe de reportagem viajou a convite da Natura.