A enfermeira Vivian Groppo, 41, descobriu um câncer raro e silencioso a partir de dores abdominais, azia, náuseas e perda de apetite —sintomas clássicos de uma gastrite. Nela, o TNE (tumor neuroendócrino) começou no intestino, mas a doença pode surgir em diversos órgãos, como pulmões, brônquios, pâncreas e estômago.
A doença se origina de células neuroendócrinas presentes em todo o corpo. A agressividade do câncer está associada a fatores variados, como local onde aparece e presença de metástase. Enquanto alguns tipos crescem lentamente, outros podem ser agressivos e se espalhar rapidamente.
Um estudo publicado neste ano pelo Inca (Instituto Nacional de Câncer) mostrou que o Brasil teve 15.859 diagnósticos de tumores neuroendócrinos entre os anos 2000 e 2019. Os pesquisadores acompanharam a evolução do tratamento de 7.683 pacientes e, desse total, 24,4% morreram.
A pesquisa do Inca também identificou que a doença é mais prevalente (63,3%) em pessoas abaixo de 65 anos e que a maioria dos casos (57,7%) teve um diagnóstico tardio, quando a doença já estava no estágio 4, ou seja, o câncer já tinha metástase (se espalhado para outras partes do corpo).
Por ser enfermeira, Vivian começou a desconfiar de uma gastrite—inflamação do revestimento do estômago, e passou a usar remédios específicos para a condição.
Mas seis meses após o início dos sintomas, em 2020, ela resolveu fazer uma endoscopia, exame que permite avaliar o sistema digestivo, principalmente esôfago, estômago e duodeno (primeira parte do intestino delgado).
“Ali eu já vi que não seria uma doença fácil de tratar. Eu estava com uma lesão tumoral”, relata.
A princípio o TNE se apresentou como uma doença localizada, sem metástases. Por isso, foi realizada uma cirurgia como tratamento curativo.
Meses depois, em uma ressonância, os médicos viram que a doença tinha voltado em metástases no fígado. Hoje Vivian tenta controlar o tumor por meio de terapia-alvo, porque o corpo não respondeu bem à quimioterapia.
“Sou mãe de três filhos e tenho um câncer sem cura, então eu fico negociando o tempo. Eu negocio todos os dias com Deus, com minha médica e com o meu remédio para que eles me deixem ficar aqui o máximo de tempo possível para que eu possa ver as crianças crescerem.”
Segundo o Inca, apesar de serem considerados raros, a incidência dos tumores neuroendócrinos vem aumentando em todo o mundo por razões não totalmente conhecidas. Por isso, reconhecer os sintomas da doença é essencial para um diagnóstico precoce.
Líder do Centro de Referência de Tumores Neuroendócrinos do hospital A.C Camargo, Rachel Riechelmann destaca que os médicos devem ficar atentos aos sinais do câncer, porque é muito fácil confundir com outras doenças mais fáceis de tratar.
Como o tumor se espalha no corpo
Cada órgão do corpo tem tipos de células com funções diferentes. As neuroendócrinas são capazes de receber sinais do sistema nervoso e, em resposta, liberar hormônios na corrente sanguínea.
Quando uma dessas células neuroendócrinas adquire alguma mutação, ela cresce mais do que as outras e vira um tumor. Dependendo do órgão no qual isso acontece, o câncer vai ter um comportamento diferente.
“Quando o tumor surge no pâncreas, por exemplo, ele pode produzir insulina. A pessoa vai ter crises de hipoglicemia, com quadro de fraqueza e desmaios. Ou se ele produz um hormônio chamado glucagon, que aumenta o açúcar no sangue, a pessoa pode ter diabetes”, diz Riechelmann, que também é Diretora do Departamento de Oncologia Clínica do A.C Camargo.
A médica destaca que um dos sintomas que as pessoas têm que ficar atentas é a diarreia constante, até porque boa parte dos tumores neuroendócrinos se originam no intestino.
“Não é aquela diarreia tão forte, mas é uma diarreia que não passa. É algo que precisa ser investigado, preferencialmente com uma colonoscopia [exame que permite avaliar o interior do cólon e do reto].”.
Um outro sintoma do tumor é uma vermelhidão que aparece no rosto e às vezes no pescoço. O quadro está associado a tumores neuroendócrinos que produzem um hormônio chamado serotonina. Nesses casos, é comum que mulheres com mais de 50 anos confundam a condição com menopausa.
“Outros sinais, que inclusive podem ser de qualquer tipo de tumor da barriga, são a dor no estômago constante, cólicas, perda de peso e a sensação de que comeu muito mesmo quando comeu pouco, que a gente chama de empachamento. Quando surge no pulmão, há sintomas de asma ou pneumonia”, detalha a oncologista.
Em alguns casos, o tumor neuroendócrino não produz hormônios e os sintomas demoram de aparecer ou se confundem com outras doenças, então os pacientes recebem um diagnóstico tardio, com o câncer mais avançado e com poucas chances de cura.
Quais chances de cura?
As chances de cura de um câncer neuroendócrino variam significativamente dependendo do tipo, estágio e localização do tumor. Quando são detectados em estágios iniciais, as taxas de cura chegam a 90%, segundo o coordenador médico do Centro de Oncologia do Hospital Santa Catarina, Antônio Cavaleiro.
Para pacientes com tumores neuroendócrinos que estão em estágios mais avançados e já apresentam metástases, a perspectiva muda. Embora a cura possa não ser possível, muitos podem viver por muitos anos em tratamento.
O oncologista detalha que o câncer neuroendócrino não possui causas totalmente compreendidas, mas existem alguns fatores de risco e condições que estão associados ao seu desenvolvimento.
“Entre eles, destacam-se as síndromes genéticas, como a síndrome de múltiplos neoplasmas endócrinos e a neurofibromatose tipo 1, que aumentam a predisposição para esses tumores.”