A seca que atingiu o Pantanal em 2020 desencadeou incêndios que resultaram na morte de 17 milhões de animais vertebrados. Em 2024, a intensificação das mudanças climáticas repetiu esse cenário: quase 2 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo nos primeiros dez meses do ano. Além de destruir habitats, a escassez hídrica na maior área úmida continental do planeta põe em risco a sobrevivência da fauna semiaquática.
Como reduzir essa devastação? Uma das estratégias mais defendidas é a ampliação das Áreas Protegidas (APs), que englobam tanto Unidades de Conservação quanto Terras Indígenas. Nesse contexto, a Meta 30×30, estabelecida no Quadro Global de Biodiversidade Pós-2020, propõe expandir as APs de 17% para 30% das superfícies de terra, mar e águas interiores até 2030. Contudo, o Pantanal e seu entorno contam com menos de 6% de APs.
Essa medida oferece uma oportunidade para que a expansão da rede de proteção no Pantanal seja planejada com base em dados de biodiversidade. Em um estudo recém-publicado no Journal of Applied Ecology, um time de sete pesquisadores do Brasil e da Suíça, do qual faço parte, explorou como as mudanças climáticas podem afetar as estratégias de conservação da fauna semiaquática na bacia do Alto Paraguai, que inclui o Pantanal e seu entorno.
A pesquisa utilizou mais de 4 mil registros de ocorrência de 74 espécies de anfíbios, organismos altamente dependentes de umidade e ambientes aquáticos. Usamos modelos estatísticos para mapear a adequabilidade ambiental das espécies, considerando o clima atual e as projeções para 2100. Em seguida, avaliamos quais dentre as APs existentes protegem mais anfíbios do que o esperado ao acaso, e aplicamos um algoritmo de busca inteligente para identificar áreas prioritárias.
Se cumpridas as metas otimistas do Acordo de Paris, nossas projeções indicam que a área de ocorrência dos anfíbios do Pantanal poderá diminuir em média 41% até 2100. Para 16% das espécies, essa redução será de 100%, levando à extinção local dessas espécies no bioma.
No cenário pessimista, a redução poderá chegar a uma média de 54%, com extinções locais afetando 27% das espécies. Os resultados também apontam a perda de espécies de anfíbios em 99% do território da bacia do Alto Paraguai em 2100.
Somente 13,7% das APs apresentam desempenho superior ao esperado, a maioria em Terras Indígenas. Entre as Unidades de Conservação, o Parque Estadual da Serra da Bodoquena se destacou por abrigar 51% das espécies de anfíbios analisadas. No entanto, os 6% de APs do Pantanal e entorno protegem menos de 5% da área de ocorrência dos anfíbios.
O estudo identificou áreas de alta prioridade no oeste e norte do Pantanal, em zonas de transição com o Cerrado, e ao sul do bioma, próximo ao Chaco paraguaio. A Meta 30×30 poderia garantir a proteção de quase 50% da área de ocorrência dos anfíbios no bioma, um avanço dez vezes superior à proteção oferecida pela rede atual.
Embora a expansão de APs seja crucial para a biodiversidade do Pantanal, é urgente adotar medidas para mitigar os impactos de práticas agropecuárias inadequadas. A remoção de vegetação nativa e o uso excessivo de agrotóxicos degradam os ecossistemas terrestres e aquáticos. Melhorar a conectividade entre as APs e restaurar ecossistemas são medidas essenciais para reduzir impactos de eventos extremos e ajudar a fauna semiaquática a lidar com desafios climáticos.
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Mario Moura é biólogo, professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba, e trabalha com biodiversidade, ecologia e conservação.
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