Um jovem de 24 anos morreu ao bater sua moto na traseira de outro veículo na rodovia Anhanguera, na região de Jundiaí, interior paulista. Segundo a Policia Militar Rodoviária, provavelmente ele colidiu contra um caminhão, cujo motorista não parou para prestar socorro, pois talvez nem tenha percebido o impacto.
O acidente, no dia 29 de outubro, entrou para as estatísticas. Nos dez primeiros meses de 2024, o número de motociclistas mortos em rodovias que cruzam o estado de São Paulo cresceu 13% na comparação com o mesmo período de 2023. Foram 730 óbitos contra 644 do ano anterior.
O levantamento, feito com exclusividade para a Folha pelo Detran-SP (Departamento de Trânsito de São Paulo), conta com dados de rodovias estaduais e federais, tanto sob gestão pública quanto privada.
O número de motociclistas mortos representa 34% do total de óbitos (2.169) nas rodovias em 2024.
A frota de motocicletas no estado cresceu 5%, passando de 5,5 milhões em outubro de 2023 para cerca de 5,8 milhões no mesmo mês de 2024, aponta o Ministério dos Transportes.
Em comum entre as rodovias com mais mortes há o fato serem ligações entre cidades ou que cruzam áreas urbanas com deslocamentos em velocidades que chegam a 120 km/h, lembra Paulo Guimarães, CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária.
Na SP-055, que dá continuidade à BR-101 no estado de São Paulo e corta o litoral desde a divisa com o Rio de Janeiro até a costa sul do paulista, foram 45 mortes.
“É uma via com sinuosidade elevada e índices de precipitações em encostas altos”, diz o engenheiro Creso de Franco Peixoto, professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, autor de um trabalho que estudou a relação entre a geometria rodoviária e a ocorrência de acidentes.
“Condutores saem de uma rodovia de alta capacidade e projeto recente e encontram uma estrada antiga [SP-055] com todas essa complexidade de geometria e capacidade de tráfego, e querem guiar do mesmo jeito.”
Na lista das rodovias com mais casos estão Anhanguera, Raposo Tavares, Dutra, Castelo Branco e Régis Bittencourt, todas que começam ou terminam na cidade de São Paulo.
Especialistas ouvidos pela reportagem citam crescimento no uso de motocicletas após a pandemia de Covid-19, principalmente de baixa cilindradas e pilotadas por condutores inexperientes em rodovias de altas velocidades. Também listam a troca do transporte público por motocicleta e economia aquecida que turbinam o mercado desse tipo de veículo.
Guimarães aponta ainda a falta de estrutura das rodovias para motociclistas. Como exemplo, cita muretas metálicas de proteção que podem ser transformadas em lâminas se o piloto for jogado contra elas.
De acordo com o Detran, 41% das mortes de todo o trânsito paulista são de motociclistas. Tanto que o órgão deu início neste mês a uma campanha educativa para tentar reduzir essa letalidade.
“Partimos da perspectiva de que a vulnerabilidade do motociclista no trânsito é um fator crítico, agravado pela falta de percepção dos riscos e do papel individual de cada condutor”, diz Anderson Poddis, diretor de Educação para o Trânsito e Fiscalização do Detran.
A Artesp, órgão responsável por fiscalizar rodovias estaduais sob concessão, aponta que as estradas tiveram aumento do VDM (volume diário médio) de trânsito e por isso há mais chances de acidentes.
O VDM pode variar de acordo com o local. A Raposo Tavares registrou até outubro uma média de 29,5 mil veículos entre Vargem Grande Paulista e Araçoiaba da Serra, próximo à capital. Já entre Ourinhos a Presidente Epitácio, foi de 9.700 veículos.
“Sem dúvida, a maior preocupação com a sinistralidade do trânsito brasileiro é o aumento exagerado de mortes e de feridos graves de ocupantes de motocicletas”, afirma Flavio Adura, diretor-científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).
Para o médico, os fatores para a alta letalidade são excesso de velocidade, ultrapassagens arriscadas e uso de celular em movimento, inclusive para acessar aplicativos de entrega ou GPS.
Ele também critica a falta de treinamento na formação de motociclistas. “A maioria dos condutores não sabe se portar em situações de risco”, acredita.
Diogo Lemos, coordenador Executivo da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global destaca a urgência de ações. “Além das políticas públicas, campanhas de conscientização são fundamentais para engajar a sociedade, alertar sobre os riscos e promover mudanças de comportamento.”
Em reunião realizada em outubro para debater a redução de sinistros, concessionárias paulistas apresentaram propostas de mitigação de acidentes em trechos críticos, com foco em ações de conscientização, tecnologias, implantação de dispositivos de segurança viária e melhorias diversas na infraestrutura viária.
“As propostas serão avaliadas para, eventualmente, integrarem o plano de investimentos das concessões”, diz a Artesp.
O DER (Departamento de Estradas e Rodagens), responsável pelas rodovias sob gestão pública, afirma ter mapeado os pontos críticos de quase 12 mil kms de estradas e que investe regularmente em obras de reparo, modernização e sinalização, visando ampliar a segurança.
A ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre), responsável por rodovias federais concedidas, lista ações para reduzir acidentes com motos. Afirma que tanto nos trechos paulistas da Dutra e da Régis Bittencourt foram realizados este ano trabalhos com orientações de segurança para motociclistas.