O monte Fuji se destaca como a montanha mais alta do Japão e um de seus símbolos nacionais mais duradouros. Seu pico nevado inspirou inúmeras pinturas e poemas ao longo dos séculos, e mais recentemente foi destaque em folhetos de viagem e mercadorias.
Mas este ano, o Fuji ficou sem sua cobertura de neve pelo período mais longo desde que os registros começaram, há 130 anos. Enquanto pequenas quantidades de neve costumam começar a aparecer no início de outubro, o pico da montanha permaneceu sem neve até novembro. A primeira neve observável no Fuji foi relatada na manhã desta quarta-feira (6), disse a mídia local.
A montanha é há muito tempo reverenciada como um símbolo espiritual, político e cultural, em parte porque seu “chapéu” de neve —que muitas vezes permanece mesmo quando picos de montanhas menores descongelam— dá a ela uma aparência de eterna. Com a chegada de novembro, muitos japoneses ficaram incomodados pela falta de neve no pico.
“Esta é a primeira vez que não vemos neve na montanha em novembro”, disse Takefumi Sakaki, funcionário da cidade de Fujiyoshida, aos pés da montanha. “Todos se sentem estranhos por não ver neve em novembro.”
Com 3.776 metros de altura, o monte Fuji é um vulcão ativo coberto de neve na maior parte do ano. Por cerca de dois meses entre julho e setembro, os alpinistas têm permissão para percorrer suas encostas cônicas.
Em média, a primeira neve cai no monte Fuji em 2 de outubro. Se 6 de novembro for oficialmente confirmado como a data da primeira queda de neve em 2024, este será o maior atraso desde que os registros da Agência Meteorológica do Japão começaram, em 1894.
Nas últimas semanas, os funcionários da cidade de Fujiyoshida têm acordado todos os dias às 5h e olhado pela janela, na esperança de avistar a primeira neve da temporada para poder anunciá-la, disse Sakaki.
A neve parece ter caído no monte Fuji durante a madrugada desta quarta-feira, disse Sakaki, mas a cobertura de nuvens impediu os funcionários locais de fazerem uma confirmação definitiva. A mídia local publicou fotos mostrando uma leve camada de neve no pico da montanha.
Este ano, que empatou com 2023 como o verão mais quente registrado no Japão, o clima anormalmente quente se estendeu até o outono.
Tomoki Tanaka, pesquisador de um escritório meteorológico a cerca de 32 quilômetros ao norte do Fuji, disse que, embora muitos fatores provavelmente tenham contribuído para a queda de neve atrasada, as mudanças climáticas indiscutivelmente desempenharam um papel.
O monte Fuji sempre foi visto como um símbolo de imortalidade nas tradições xintoístas e budistas do Japão. Na mais antiga antologia conhecida de poemas do país, o Man’yoshu, compilado no século 8, o poeta Yamabe no Akahito descreveu o Fuji como um pico divino que estava de pé “desde a separação do céu e da terra”.
Nas antigas capitais do Japão, Kyoto e Nara, poucas pessoas viam o monte Fuji pessoalmente, a mais de 240 quilômetros de distância.
Mas as pessoas daquela época contavam histórias de uma montanha que, ao contrário das que cercavam Kyoto e mudavam com as estações, tinha neve em seu pico quase o tempo todo, disse Timon Screech, historiador da arte no Centro Internacional de Pesquisa para Estudos Japoneses em Kyoto.
“O Fuji era visto como maior do que qualquer outra coisa —majestoso e fora da passagem normal das estações, o que lhe dava uma espécie de imutabilidade”, disse ele.
Quando o Japão mudou sua capital para Tóquio, nos anos 1600, os residentes de lá podiam ver o monte Fuji, a apenas 96 quilômetros de distância, em dias claros. As representações da montanha se tornaram mais realistas, e muitas obras de arte mostraram o monte Fuji em seu estado nevado.
Na década de 1830, a série “36 vistas do Monte Fuji” de Katsushika Hokusai, que incluía o famoso “Sob a Onda de Kanagawa”, ajudou a popularizar a imagem da montanha no exterior.
Ao longo dos séculos, a montanha foi por vezes retratada com pouca ou nenhuma neve. Mas geralmente não era mostrada sem seu “chapéu” de neve, disse Radu Leca, professor assistente na Academia de Artes Visuais da Universidade Batista de Hong Kong.
Nos séculos 18 e 19, a expressão “Fuji de verão” era usada para descrever algo ou alguém que estava nu ou sem roupas, como atores de teatro kabuki vistos sem sua maquiagem tradicional de rosto inteiro, disse Leca.
“Pense nisso como uma pessoa sem roupas”, acrescentou. “É um pouco constrangedor.”
Ao longo dos anos, o Fuji também foi transformado em um símbolo político.
Durante o período Edo, que ocorreu entre os séculos 17 e 19, os xoguns, os líderes militares que governavam em Tóquio, promoveram o pico como um símbolo da estabilidade do país sob seu reinado, disse Screech.
No início do século 20, o Fuji foi usado como um símbolo nacionalista para evocar a singularidade e superioridade japonesas, disse ele. E, após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, seu significado mudou novamente para se tornar um símbolo da continuidade cultural do Japão.
A perspectiva de um símbolo desses ser alterado destaca o impacto das mudanças climáticas, disse ele.
“Quando algo que deveria ser um ícone da eternidade da identidade japonesa está sendo alterado por causa das mudanças climáticas”, disse ele, “é meio que, ‘uau, algo está realmente mudando aqui’”.