A internet tem se mostrado um ambiente dominado por empresas multibilionárias cujo modelo de negócio se baseia na exploração comercial dos dados dos usuários.
Quando esses usuários são crianças e adolescentes, a vulnerabilidade intrínseca à sua condição biopsíquica, cognitiva e socioemocional os torna produtos valiosos para essas companhias, além de vítimas desprotegidas para criminosos.
Para evitar que sejam vítimas, é essencial cuidar da prevenção. Essas foram as principais conclusões do primeiro bloco de apresentações na sétima edição do seminário Violência Sexual Infantil, realizado pela Folha em parceria com o Instituto Liberta na última quarta-feira (30), na Unibes Cultural, em São Paulo.
Há sete anos, o evento chama a atenção para a necessidade de discutir a violência sexual infantojuvenil no Brasil, onde mais de 65 mil crianças e adolescentes foram vítimas de estupro em 2023, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
A edição de 2024 teve como foco a ocorrência desse fenômeno na internet e adotou o formato de oito apresentações curtas, divididas em três blocos. O tema do primeiro bloco foi a caracterização da violência sexual na internet.
Pedro Hartung, diretor da Fundação Alana, apontou que o ambiente virtual tem se tornado um verdadeiro campo minado, que se expressa em diversas experiências negativas para crianças e adolescentes: exposição a conteúdo inapropriado, contato indesejado de terceiros, conduta prejudicial, como cyberbullying, e exploração comercial.
Pelo menos um terço das crianças e adolescentes entre 9 e 17 que acessam a internet no Brasil relataram ter passado por essas situações em 2023, de acordo com o estudo TIC Kids Online Brasil 2023, número semelhante ao da edição de 2024 da pesquisa. Esses dados desmistificam, diz Hartung, a impressão de que crianças e adolescentes sejam “nativos digitais”.
Embora manuseiem com mais habilidade equipamentos eletrônicos, não compreendem as relações complexas no mundo digital, como os algoritmos e a publicidade, afirma ele. A culpa por esse campo minado, segundo Hartung, é das big techs.
Para ele, a internet não corresponde à imagem de uma praça pública para a troca de ideias, mas à de um shopping center, ambiente intencionalmente desenhado pelas empresas para prender a atenção das crianças enquanto coletam seus dados.
Nesses espaços, criminosos se aproveitam das falhas de segurança para aliciar menores. Hartung cita um estudo da 5Rights Foundation, organização internacional de defesa dos direitos das crianças e adolescentes na internet, segundo o qual 75% das maiores plataformas de mídia social usaram inteligência artificial para recomendar perfis de crianças a estranhos em 2020.
Érika Castro, delegada do grupo especial de combate a crimes cibernéticos relacionados ao abuso sexual infantil da PF (Polícia Federal), apresentou casos investigados pela corporação de abuso e exploração sexual.
A partir da sua experiência, apontou que não há rótulos que identifiquem abusadores. “O abusador não é o pedófilo, na maioria dos casos. Pedófilo é um indivíduo que tem uma parafilia [padrão de comportamento sexual cujo desvio está no ato que provoca prazer ou no objeto de desejo sexual] que faz com que sinta atração ou desejo sexual por uma pessoa pré-púbere [que ainda não passou pela puberdade]”, explica.
Ela afirma que o abusador é um criminoso de oportunidade e, assim, está onde a criança está. Por isso, a prevenção é crucial.