Intimado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, a se explicar sobre falas jocosas sobre autismo e terapias usadas por autistas, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha respondeu que realiza “esta mesma palestra há pelo menos três anos” e que “trata-se de abordagem estritamente acadêmica, que me confere liberdade de cátedra para externar meu posicionamento pessoal e conceitual sobre o tema”.
Em novembro, durante o terceiro Congresso Nacional do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Saldanha falou sobre a pressão econômica da judicialização na saúde suplementar e, espontaneamente, ofereceu o caso do autismo e de terapias frequentemente usadas por autistas — a ABA (análise aplicada do comportamento) e sua vertente mais moderna, a ABA feita nos ambientes naturais da criança, como casa e parquinho — como exemplo.
“Agora tem um tratamento natural, como é o nome mesmo, esqueci? Tratamento em ambiente natural. Não sei o que é isso, faz parte da ABA, acho que leva a pessoa para a floresta, sei lá, abraça a árvore, deve ser esse negócio”, disse à época.
Em sua resposta ao corregedor, na semana passada, Saldanha se explicou dizendo que se referia “a uma nova proposta nominada de ‘tratamento em ambiente natural'”.
A vertente mais conhecida dessa “nova proposta”, nas palavras do ministro, foi desenvolvida nos anos 1980 nos Estados Unidos, e tem um livro de aplicação prática publicado há 15 anos.
Na palestra de novembro, Saldanha ainda falou sobre a “tristeza que é a gente ter um parente com problemas cognitivos de desenvolvimento” e afirmou que “para os pais é uma tranquilidade, saber que seu filho que tem um problema vai ficar de seis a oito horas por dia numa clínica, com gente especializada, passeando na floresta, mas isso custa”.
Em sua resposta ao corregedor, no entanto, Saldanha declara que não é capacitista e reitera o “mais absoluto respeito, consideração e solidariedade às situações individuais e familiares de todas as pessoas”.
Diz, inclusive — e contraditoriamente à sua fala sobre a pressão econômica das terapias dos autistas sobre os planos –, que foi presidente de uma operadora de saúde dos magistrados do Rio de Janeiro e, lá, impulsionou a oferta de serviços para crianças com transtorno global do desenvolvimento: “Foi implantado tratamento absolutamente diferenciado pelo plano de saúde, com reembolsos fora e acima dos padrões gerais do referido plano”.
O advogado Bruno Silvestre, que é uma pessoa com deficiência, delegado da Diretoria da Pessoa com Deficiência da OAB-RJ e foi uma das pessoas a contestar a fala de Saldanha formalmente junto ao CNJ, diz ao blog que continua indignado com a fala do ministro e mantém o pedido para que trechos com falas capacitistas proferidas por Saldanha sejam retirados do canal do CNJ no YouTube.
Ao blog, o advogado defende que o ministro “não tem o direito de usar termos preconceituosos como ‘pessoa com problema’, ou todo mundo tem um pouco deste ‘fator de autismo’, minimizando e relativizando o TEA de forma completamente inadequada”. “É nesta esfera da adjetivação, em não usar o termo consolidado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência recebida como emenda à Constituição no Brasil é que a fala se tornou desrespeitosa e preconceituosa.”
Desde a fala de Saldanha, em novembro, o blog procurou o gabinete do ministro, vi a assessoria de imprensa do STJ, algumas vezes, sem que o ministro quisesse se manifestar.
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