Milhares de presos em regime semiaberto serão beneficiados com a “saidinha de fim de ano” a partir da próxima segunda (23), em todo o país. Neste ano, o Congresso restringiu as possibilidades para as saídas temporárias dos detentos, mas as novas regras não se aplicam a quem já estava condenado antes da promulgação da lei, em abril deste ano.
Não há uma estimativa oficial para o número de presos que podem ser liberados, já que a decisão de cada caso passa por avaliação dos juízes das diferentes Varas de Execuções Penais, impossibilitando prever as autorizações ou vedações ao pedido. Mas profissionais que trabalham no sistema carcerário, ouvidos pela Gazeta do Povo, acreditam que pode haver uma redução de até 30% em relação ao ano passado, em função da lei mais rígida.
Um levantamento realizado pelo portal g1 em janeiro, com dados dos governos estaduais, indicou que no ano passado 52 mil detentos foram beneficiados, sendo que 2,6 mil não retornaram aos presídios. Isso colocaria a estimativa dos especialistas entre 35 mil e 40 mil presos beneficiados em 2024.
“Por mais que haja um endurecimento das regras, elas não valem para quem já estava condenado no momento da promulgação da lei, ou seja, para essas milhares de pessoas as regras antigas continuam valendo”, lembra o especialista em Segurança Pública Marcelo Almeida.
Há decisões judiciais que determinam que “normas mais gravosas não podem retroagir para prejudicar” o condenado, lembra o advogado e especialista em Direito Penal Márcio Berti. Ele afirma que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm decisões no sentido de que a nova lei que restringiu as saidinhas não retroage, “por se tratar de uma lei penal mais severa”.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), estado onde historicamente há o maior número de beneficiados com a medida, disse não ter uma projeção neste ano. A Corte avalia que não se pode adiantar decisões, “porque a concessão dos benefícios segue requisitos que serão verificados pelos magistrados”, de acordo com cada sentenciado.
Alguns órgãos, porém, já estão informando quantos presos devem ser liberados em suas regiões de atuação. No Espírito Santo, a Secretaria Estadual de Justiça afirma que 2.531 detentos do regime semiaberto terão direito à saída temporária neste fim de ano, mas não se descarta a alteração no número com base em avaliação dos juízes das Varas de Execuções Penais. Os detentos não serão liberados de uma só vez: parte deve sair para o feriado do Natal e outra parte para o ferido de ano novo. Cada detento terá direito à saidinha por sete dias.
No Maranhão, 1ª Vara de Execuções Penais do estado autorizou a saída de pelo menos 865 detentos da chamada Grande Ilha, que abrange a capital São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa. Eles terão o direito de sair no dia 20 de dezembro e devem retornar dia 26.
As datas das saidinhas dos presos são estipuladas em calendários oficiais anuais pelas administrações penitenciárias dos estados e pela Justiça. Comumente são de quatro a cinco saídas por ano com duração média de uma semana cada. Em alguns, o período da saída de fim de ano vai de 23 de dezembro de 2024 a 3 de janeiro de 2025, mas não há uma regra geral.
O que diz a nova lei sobre a saidinha de presos
A Lei 14.843, sancionada em abril de 2024, limitou o benefício da saída temporária aos presos do regime semiaberto que estejam matriculados em cursos de supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior, estabelecendo critérios específicos para sua concessão.
A norma, no entanto, não afeta os detentos que iniciaram o cumprimento da pena antes da vigência da lei, permitindo que, caso atendam aos requisitos previstos, possam obter autorização para saída temporária neste fim de ano. O benefício é concedido ao condenado que:
- esteja em regime semiaberto – o que não é previsto em todos os estados nem em todas as unidades prisionais;
- tenha cumprido ao menos 1/6 da pena em caso de réu primário;
- tenha cumprido 1/4 da pena no caso de reincidentes;
- tenha bom comportamento.
O detento ainda precisará de autorização do juiz da Vara de Execuções Penais. O Ministério Público também é consultado.
Apesar das mudanças na lei sobre a saidinha de presos, essa não será a última prevista. Em São Paulo, onde está a maior comunidade carcerária do Brasil e registrou uma saída de cerca de 34 mil detentos no fim de 2023, as saídas temporárias estão previstas para março, julho, setembro e dezembro.
Para deputados, projeto que restringiu saidinhas de presos combate impunidade
O relator do projeto que criou a Lei 14.843 na Câmara dos Deputados, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PL-SP), alertou no período de votação que as estatísticas vinham apontando para aumento de ocorrências criminais após as saídas temporárias em datas comemorativas.
“Essa hipótese causa a todos um sentimento de impunidade sem qualquer contraprestação efetiva à sociedade”, disse Derrite, que assumiu seu mandato de parlamentar apenas para relatar a proposta, tendo depois retornado ao comando da Secretaria de Segurança de São Paulo.
Já o autor da proposta, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), criticou a versão final do texto. Segundo ele, o projeto pôs fim a um mecanismo de ressocialização. “Só sair para estudar e trabalhar não é ressocializar”, disse, ao reforçar que o projeto original não previa a extinção da saída temporária, mas obrigava a União a monitorar presos por meio de tornozeleiras ou pulseiras com GPS.
Pedro Paulo disse que no Natal passado, dos mais de 34 mil presos que tiveram direito ao benefício no estado de São Paulo, 81 cometeram algum delito. “Por causa de 81, vamos prejudicar 35 mil que tiveram esse direito para, aos poucos, fazer a ressocialização. Isso vai causar uma profunda revolta no sistema presidiário”, declarou.
Senado analisa novo projeto para tornar saidinha dos presos mais rigorosa
O Senado Federal deverá apreciar outro projeto de lei que veda a concessão de saída temporária a reincidentes e condenados por crimes hediondos. O PL 205/2024 passaria a alcançar os condenados pelos seguintes crimes, ainda que na modalidade tentada:
- homicídio praticado por grupo de extermínio;
- homicídio qualificado;
- feminicídio;
- roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima;
- roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo;
- roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte;
- extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte;
- extorsão mediante sequestro;
- estupro;
- estupro de vulnerável.
O projeto é de autoria do senador Carlos Viana (Podemos-MG). A Lei de Execução Penal já veda, desde 2019, a saída temporária do condenado que cumpre pena pela prática de crime hediondo que termina em morte.
“Reconhecemos que a maioria dos presos retornou ao estabelecimento penal e que a saída temporária é instrumento essencial para a sua reinserção na sociedade, razão pela qual nossa proposta não é suprimir a saída temporária, mas restringir esse direito para vedar a sua concessão a criminosos de alta periculosidade”, conclui o autor do projeto.