A Prefeitura de Milão, no norte da Itália, ampliou, em 1º de janeiro, o cerco ao fumo ao ar livre, proibindo o cigarro tradicional em todos os espaços abertos de uso público onde não seja possível respeitar a distância de dez metros de outras pessoas.
A norma faz parte de um plano municipal aprovado há cinco anos, que desde 2021 veta o fumo em paradas de transporte público, parques, parquinhos e estruturas esportivas. Lei nacional, o cigarro é proibido em lugares fechados há 20 anos.
“Milão está entre as cidades com a regulamentação antifumo mais abrangente da Europa, principalmente em relação a locais ao ar livre”, diz Raquel Venâncio, diretora de políticas da Smoke Free Partnership, coletivo de ONGs europeias que atua em prol do controle do tabaco como prioridade política.
“As evidências mostram que políticas assim não apenas reduzem a exposição à fumaça prejudicial do tabaco, mas também incentivam os fumantes a diminuir o consumo. É uma medida importante para desnormalizar o fumo”, afirma Raquel. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o fumo passivo aumenta chances de câncer de pulmão e doenças cardíacas mesmo em não fumantes.
No âmbito europeu, onde há muita disparidade no rigor das políticas antitabagismo, com a Comissão Europeia sendo pressionada por países como a Bélgica a acelerar, outras cidades saíram na frente no combate ao fumo ao ar livre. Raquel cita os casos de Barcelona (Espanha), que proibiu o cigarro em todas as praias, e Estocolmo (Suécia), que aplicou vetos em áreas externas de restaurantes, um tabu na Espanha e no Reino Unido.
Em termos nacionais, espanhóis e britânicos, no entanto, lideram as ações de combate ao fumo, com novas medidas implementadas quase ano a ano. Em ambos, estão em tramitação no Legislativo planos ambiciosos de longo prazo, que miram restrições ao fumo em espaços abertos e nas variantes eletrônicas (vapes e tabaco aquecido).
O ideal, segundo a Smoke Free Partnership, é que legislações municipais e nacionais se complementem, já que têm diferentes prós e contras. Enquanto as nacionais são uniformes e abrangentes, protegendo a população inteira, as prefeituras conseguem ser mais rápidas na aprovação de leis do tipo, permitindo que inovações sejam testadas.
Assim acontece em Milão. Pela nova regra, um fumante pode acender o cigarro na calçada se estiver sozinho e sem passantes por perto, mas não enquanto estiver bebendo um café ou uma cerveja sentado a uma mesinha na calçada, perto de outros clientes. Se vingar, esse promete ser um dos maiores impactos nos hábitos urbanos.
Dez dias depois de entrar em vigor, ainda não havia, no centro, sinalização que indicasse a novidade nem fiscalização ostensiva. Muitos circulavam com cigarros acesos ou formavam rodinhas de fumaça na entrada de edifícios comerciais. Um efeito, no entanto, já é visível.
“Tiramos os cinzeiros das mesas das calçadas. Aqueles que quiserem fumar que se levantem [e se afastem]”, diz Luca, que preferiu não dar o sobrenome, barista do Gran Caffè Visconteo, localizado em frente à praça do Duomo, a catedral que é o ponto mais famoso de Milão.
Enquanto fumava um cigarro na calçada —sozinho, mas não a mais de dez metros dos pedestres—, ele contou que a aceitação da regra tem sido boa entre clientes, mas que pessoalmente é contra o veto. “Uma coisa é proibir o fumo no trem ou em lugares fechados, isso é inteligente. Mas ao aberto… O ar é de todo mundo.”
Além da proteção contra o fumo passivo, a prefeitura justifica a decisão com argumentos ambientais, para diminuir a quantidade de partículas poluentes e melhorar a qualidade do ar.
Apesar da iniciativa de remover os cinzeiros, seguida por outros bares, os estabelecimentos não estão sujeitos a sanções, aplicáveis somente aos fumantes, com multas entre € 40 e € 240 (de R$ 250 a R$ 1.500). Segundo o jornal Corriere della Sera, em três anos menos de 20 multas tinham sido aplicadas pelos vetos anteriores, como em pontos de ônibus. Na visão da prefeitura, a meta é educar a população e não reforçar ações punitivas.
Outro impacto pode ser o incentivo aos cigarros eletrônicos, já que essas variantes estão isentas da proibição. Segundo Raquel Venâncio, ainda faltam evidências científicas sobre os riscos do fumo passivo de cigarros eletrônicos, mas, do ponto de vista da saúde, eles deveriam ser incluídos nas normas antitabaco.
“Os cigarros eletrônicos expõem os usuários à nicotina e a outras substâncias nocivas, com risco de dependência e outros problemas de saúde”, diz. “Também podem servir como porta de entrada para os cigarros tradicionais, especialmente entre os mais jovens.”