O Brasil desconhece a real situação de segurança da maior parte das barragens instaladas no país. Elas são usadas para geração de energia, mineração, irrigação ou abastecimento humano, entre outras finalidades.
Até dezembro, o país somava 28.086 barragens cadastradas no Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, que engloba todos os tipos de estrutura. Mais da metade nunca foi alvo de checagem para enquadramento na Política Nacional de Segurança de Barragens, o que representa um vácuo legal e omissão sobre a situação de risco.
A informação consta da minuta do Relatório de Segurança de Barragens 2024-2025, elaborado pela ANA (Agência Nacional de Águas) e obtido pela Folha. O documento será apresentado em julho.
Não são conhecidos, por exemplo, dados sobre a altura de 66% dessas barragens. Sobre outras 26% não há informações acerca do volume acumulado.
Esse enquadramento não é só formalidade. A Política Nacional de Segurança de Barragens, criada em 2010, serve para exigir que barragens com maior potencial de risco sejam classificadas e fiscalizadas de forma contínua.
São critérios essenciais para definir planos de emergência e rotinas de inspeções. A classificação estabelece, ainda, o Dano Potencial Associado (DPA) que pode haver em caso de rompimento —quase todas as barragens sem adequação à Política (14.589) não têm DPA.
Mesmo entre as 6.200 barragens já enquadradas pelas regras da Política Nacional de Segurança de Barragens há lacunas. Ao menos 46% dessas estruturas estão com informações incompletas.
Em 2024, só 601 delas foram alvo de inspeção. Somente 1.463 possuem um Plano de Segurança da Barragem cadastrado no sistema nacional.
Na área da mineração, que concentra casos com grande potencial de dano, como ocorridos em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, são 922 barragens sob a alçada da ANM (Agência Nacional de Mineração). Desse total, 472 estão enquadradas na política de segurança.
No ano passado, a ANM diz que realizou 204 vistorias em apenas 180 estruturas. Dependendo do tipo de barragem, essa inspeção tem que ser anual.
“É uma situação séria. Nós vemos que, no caso das barragens de mineração, o setor passou a ser um pouco mais acompanhado, por causa dos crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho. Acontece que ainda há falhas e esse processo de informação é autodeclaratório”, diz o ambientalista Ronald Carvalho Guerra, vice-presidente do Instituto Guaicuy, organização que atua no setor.
“Há pouco controle sobre isso. Muitas vezes, nem sequer sabemos se o que foi cadastrado é mesmo a realidade”, completa.
Além disso, a própria ANM reconhece que há barragens não cadastradas, principalmente em regiões remotas.
Os dados coletados para o relatório da ANA têm origem em 33 órgãos fiscalizadores, estaduais e federais. A agência coordena o levantamento, mas não tem autoridade hierárquica sobre os demais.
A incapacidade de lidar com o tema passa pela limitação de profissionais. Ao todo, diz o relatório, os 33 órgãos somavam, até dezembro, 345 profissionais dedicados à segurança de barragens.
É como se cada um deles tivesse de cuidar de 81 barragens. E só 165 deles atuam exclusivamente com o tema.
A situação é também grave quando se analisa as barragens do Rio Grande do Sul, vítima de uma das maiores tragédias climáticas já vistas, em 2024. O Estado concentra 10.267 barragens, 37% do total do país.
Até dezembro, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do estado, responsável por 98% dessas estruturas, não possuía um único funcionário dedicado exclusivamente à fiscalização.
Em nota, a pasta afirma que instituiu uma nova divisão destinada à segurança de barragens, e haverá técnicos com atuação exclusiva. Segundo a secretaria, o governo criou um comitê de crise de segurança de barragens durante as enchentes do ano passado.
Sem pessoal em todo o país, as fiscalizações têm caído. O relatório aponta que foram realizadas 2.859 inspeções presenciais no ano passado, ante 3.064 em 2023. Até mesmo as fiscalizações documentais caíram de 3.300 para 3.163, no mesmo intervalo.
Em curva oposta, os incidentes, que são situações de risco que não resultaram em colapso, quase dobraram: de 25 em 2023 para 46 ocorrências no ano passado.
A Folha questionou agências, ministérios e demais autoridades sobre os dados. A ANA informou apenas que o relatório “está em elaboração e tem previsão de ser publicado em julho deste ano”.
A ANM limitou-se a informar que repassou seus dados atualizados para a ANA.
“A redução de fiscais, em conjunto com as severas restrições orçamentárias, tem levado a dificuldades na gestão e fiscalização de segurança de barragens”, declarou a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Dos 47 fiscais da Aneel de serviços de geração, distribuição e transmissão, apenas 18 estão alocados no segmento que cuida de reservatórios, incluindo atividades de monitoramento de segurança, segundo a agência.
O Ministério de Minas e Energia diz que, desde o início da gestão atual, trabalha para aumentar a segurança das barragens de mineração e minimizar os riscos.
O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, ao qual a ANA é vinculada, afirmou que tem fortalecido medidas e que, no âmbito do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), foi aprovada a inclusão de recuperação e manutenção de 121 barragens, com investimento estimado em R$ 124,6 milhões.