O CEO da Meta, Mark Zuckerberg, deu um cavalo de pau na moderação de conteúdo nas redes sociais administradas pela empresa. Depois de oito anos de pronunciamentos em que ressaltava ações para conter vieses contra minorias e efeitos nocivos desses sites para a saúde mental, além de desinformação eleitoral, ele anunciou nesta terça-feira (7) mudanças profundas nas políticas da companhia, com o fim do programa de checagem.
A mudança é vista como um alinhamento ao presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que governará com apoio das duas casas legislativas e da Suprema Corte. O político disse que as alterações provavelmente ocorreram em decorrência de ameaças feitas pelo próprio republicano no passado.
“Ele age como uma biruta ideológica e contradiz completamente o discurso de combate à desinformação e de que as redes da Meta, como ele definia, seriam um espaço para a comunidade mundial”, afirma o antropólogo e professor do departamento de Estudos da Mídia da Universidade de Virgínia David Nemer.
O professor avalia que o CEO da Meta quer seguir o exemplo de Elon Musk e auferir ganhos econômicos por meio de posicionamentos políticos a favor de Trump. “Essa é a aposta segura quando os três Poderes dos Estados Unidos apontam no mesmo sentido.”
O vídeo também foi publicado na página de relações com investidores da Meta.
Em artigo assinado pelo novo vice-presidente de assuntos globais, Joel Kaplan, a companhia afirma que as medidas anunciadas por Zuckerberg visam incentivar que as pessoas se comuniquem mais e evitar bloqueios equivocados.
“Muito conteúdo inofensivo é censurado, muitas pessoas se veem trancadas injustamente na ‘cadeia do Facebook’ e, com frequência, somos lentos em respondê-las”, escreve Kaplan.
De acordo com o texto, os algoritmos e protocolos cada vez mais complexos da big tech levariam a erros que cerceariam a liberdade de expressão.
“É hora de focar em reduzir erros, simplificar nossos sistemas e voltar às nossas raízes de dar voz às pessoas”, sintetizou Zuckerberg.
A empresa encerrará nos Estados Unidos a partir desta terça o programa de verificação de fatos via parceiros, que será substituído por um modelo de notas da comunidade, nos moldes do que Musk implantou no X. Depois, a mudança —válida para Facebook, Instagram e Threads— também será implementada em outros países.
Para o professor da Faculdade de Direito da USP Juliano Maranhão, a Meta não deixará de respeitar a lei, mas abandonará a atual postura proativa. “Eles vão dirigir os esforços e ferramentas de moderação de conteúdo para aquilo que for manifestamente ilegal e crime: pornografia infantil, terrorismo e tráfico de drogas.”
Nesses casos, a tecnologia para detecção é mais avançada e a ilegalidade do conteúdo ilegal é mais objetiva. “O mal é maior e o risco de erro é menor.”
Ele, porém, pondera que a empresa não apresenta dados sobre a quantidade de falsos negativos que supostamente prejudicariam os usuários. “Seria importante ter transparência, não sugerir que outros governos fazem exigências ambíguas e ideológicas, que seriam voltadas para censura e para atender apenas a interesses políticos ou geopolíticos.”
Até então, a empresa era citada por autoridades brasileiras como um exemplo entre as big techs na relação com o governo para evitar desinformação eleitoral, sanitária e questões de proteção de dados, por se mostrar sempre disponível a convocatórias.
O provável alvo da reclamação de Zuckerberg sobre as cortes latino-americanas, o ministro Alexandre de Mores, citou a Meta como “uma das maiores colaboradoras da Justiça Eleitoral” durante as eleições de 2022. A big tech, por outro lado, já chamou acordos de colaboração com agências de checagem de “proteção das eleições”.
Para a analista-chefe da plataforma de monitoramento Emarketer, Jasmine Enberg, “a checagem de fatos saiu de moda entre os executivos”.
“Mídias sociais estão tão politizadas e polarizadas, que desinformação se tornou um termo da moda para definir desde mentiras deslavadas a perspectivas das quais as pessoas discordam”, afirma Enberg.
Para ela, afrouxar a moderação de conteúdo é um aceno a eleitores de Trump que já haviam deixado a rede. Embora o número de usuários nas redes da Meta esteja em crescimento desde sua fundação, essa tendência apresenta sinais de desaceleração.
Além disso, a penetração do Facebook e do Instagram entre os usuários americanos de internet está estagnada há anos na casa dos 40%, mostram dados da Emarketer. No Brasil, cerca de 80% da população digital usa pelo menos uma das redes sociais, de acordo com a empresa.
O endurecimento das regras de moderação do Facebook começou em novembro de 2016, quando repercutiram na imprensa e nas redes sociais acusações de que a plataforma de Zuckerberg não filtrara denúncias falsas contra a democrata Hillary Clinton, que concorria à Casa Branca.
Meses antes, a big tech havia substituído o time de moderadores humanos por uma solução baseada cem por cento em programas de computador.
Zuckerberg publicou que as denúncias seriam “loucura” e respondeu com fotos indicando que ele votara em Clinton. A empresa então contratou uma equipe para trabalhar com moderação.
Crises posteriores levaram a mais protocolos de filtragem de conteúdo. O vazamento dos Facebook Papers, por exemplo, apresentou indícios de que os aplicativos da Meta eram prejudiciais para menores de idade e de que a big tech tinha moderação precária em países de língua não inglesa,
“Governos e mídia pressionam para censurar mais e mais”, afirmou Zuckerberg nesta terça.
“A Europa tem um número cada vez maior de leis institucionalizando a censura e dificultando a inovação, e países da América Latina têm tribunais secretos que podem ordenar que empresas removam conteúdos de forma silenciosa”, acrescentou.
O conglomerado de redes sociais já sofreu multas ao redor do mundo por práticas anticoncorrenciais, violações à proteção de dados, além de ser questionada por vieses em sua inteligência artificial e por prejudicar a saúde mental de crianças e adolescentes.
Zuckerberg, diz Nemer, posicionou a Meta como “uma plataforma americana que promove os valores americanos” ao falar de perseguição contra as empresas dos EUA.