A esperada retomada da guerra comercial de Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, contra países como China, México e Canadá, exige cuidado do Brasil ao negociar com os dois lados, mas pode dar ao país oportunidades de exportar mais, disputar novos mercados, atrair investimentos e impulsionar a atuação da indústria nacional em setores relevantes, como o de biocombustíveis.
A avaliação foi feita pelo presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Aloizio Mercadante, durante a primeira mesa do seminário Política Industrial para o Brasil, realizado pela Folha na terça-feira (26), com patrocínio do BNDES. Os debates foram mediados por Vinicius Torres Freire, colunista do jornal. O vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), fez a fala de abertura por vídeo.
Como vantagens competitivas em contexto de barreiras comerciais, Mercadante destacou fatores econômicos —como a relevância na exportação de alimentos e a variedade de fontes na matriz energética brasileira— e geopolíticos, como estabilidade democrática, ausência de guerras com países vizinhos e o não envolvimento nos conflitos no Oriente Médio e entre Rússia e Ucrânia.
“Não tenho nada contra que o Trump seja ‘Estados Unidos first’, mas nós temos que ser Brasil primeiro e vamos sentar na mesa para negociar nossos interesses com quem precisar.”
Em busca de reverter o processo de desindustrialização e impulsionar o setor, o governo Lula lançou em janeiro deste ano o plano Nova Indústria Brasil (NIB), com metas de desenvolvimento para 2026 e 2033 na agroindústria; no complexo econômico e industrial da saúde; nas áreas de infraestrutura, saneamento básico, moradia e mobilidade; na transformação digital; na transição ecológica; e nas tecnologias de defesa.
Alckmin falou sobre as missões do NIB e também destacou como iniciativas favoráveis ao setor a criação da Aliança Global dos Biocombustíveis, entre Índia, EUA e Brasil, a redução da burocracia na exportação e a criação das LCDs (Letras de Crédito de Desenvolvimento), que são títulos de financiamento da indústria nacional. Ele ressaltou que a indústria já está crescendo.
“A política industrial que está sendo construída tem foco, segurança e clareza de quais cadeias produtivas o Brasil pode, diante da janela de oportunidades, desenvolver e adensar para tornar a estrutura produtiva brasileira resiliente, forte e com protagonismo na trajetória de crescimento econômico”, disse Uallace Moreira, secretário de desenvolvimento industrial, inovação, comércio e serviços do MDIC.
Mas na avaliação de Armando Castelar, professor da FGV-Rio (Fundação Getulio Vargas) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o NIB poderia explorar mais o cenário global —planejando, por exemplo, formas de aproveitar as chances criadas por transformações geopolíticas. “Senti falta de mais inserção das propostas no que está acontecendo no resto do mundo —é bastante Brasil, mas tem pouco de como nós nos inserimos nas cadeias globais de valor.”
Castelar, que também é pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, apontou a falta de indicação das lições tomadas para que o plano não incorra em falhas de medidas anteriores. “A produtividade da indústria cai sistematicamente desde 1980, apesar de termos inúmeras políticas industriais nesse meio-tempo. O que aprendemos e o que está sendo feito de diferente para não repetir os erros que aconteceram no passado?”
Alguns dos caminhos para corrigir possíveis falhas e ter sucesso na política industrial são, na visão de Mercadante, a transparência e a abertura ao diálogo adotadas pelo BNDES. Já para Moreira, do MDIC, é preciso considerar se houve adequação dos planos fracassados às necessidades de cada segmento para discutir erros.
“A primeira questão é entender se as políticas industriais tiveram continuidade, porque alguns setores produtivos têm um prazo de maturação e retorno do investimento de 20 anos, e muitos dos planos industriais no Brasil foram de governo, não de Estado. Não podemos cobrar resultado de uma política industrial de inovação que foi interrompida”, afirmou o secretário.
Outra questão na retomada da indústria brasileira é a carga fiscal. Para Josué Gomes, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a desindustrialização do país nos últimos 30 anos, considerando o período desde a implantação do Plano Real, também foi causada pelo que ele chamou de “ambiente extremamente hostil para a indústria” na tributação, uma vez que a complexidade da indústria exige a aplicação de mais recursos. Responsável por 11% do PIB, a indústria de transformação recolhe 30% do total de impostos no Brasil, disse.
“Se criamos condições que diminuem a capacidade de investimento próprio e impedem que as empresas industriais tomem financiamentos para investir, investe-se menos e, ao investir menos, perde-se produtividade em relação àqueles países investem.”