Pra mim, a revelação veio com o filtro de água.
Naquele dia, quando entrei na cozinha e senti um chap chap úmido nos pés, fiquei preocupada. Não só com o quase-alagamento doméstico, mas por ter esquecido a torneira do filtro aberta… de novo.
– Amorrr… você anda distraída mesmo, hein? – tentou meu parça, solidário, mas sério.
Pra acalmar o íntimo pânico de estar ficando louca, brinquei que tô que nem a mulher gato do Batman, a atriz Halle Berry.
Em uma entrevista, ela falou sobre sua relação com o climatério e contou que inundou a lavanderia de casa umas três vezes por conta de esquecimento.
“Eu entro lá e então esqueço por que entrei; ligo a água, esquento a comida do cachorro, faço outras coisas… e de repente tem uma inundação na área de serviço”, conta. “Eu nunca teria feito isso antes dessa fase da vida. O nevoeiro cerebral é real”.
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Se você, minha amiga, está sentindo algo parecido (ou diferente, #sóquenão, com esquecimentos bizarros, apagões súbitos e problemas inéditos de memória, foco e concentração), creia-me: pode ser o climatério pintando na área.
O papel do cérebro no climatério
É comum associar o climatério ao envelhecimento dos ovários e ao fim da vida reprodutiva.
Mais do que um fenômeno isolado dos órgãos reprodutivos, porém, investigações recentes mostram que esse período de transição é um processo neuroendócrino complexo e gradual, mediado pelo cérebro e pelo hipotálamo.
Por meio do chamado eixo hipotálamo-hipófise-ovário, o hipotálamo estimula a liberação de hormônios que regulam o ciclo menstrual, mas também influenciam uma série de outras funções vitais, como sono, libido, apetite, temperatura corporal e certos processos cognitivos.
“Muitos sintomas da menopausa, como ondas de calor, suores noturnos, ansiedade, depressão, insônia, confusão mental e episódios de perda de memória, originam-se no cérebro e não nos ovários, o que os converte em sintomas neurológicos. Mas essa perspectiva muitas vezes é esquecida”, explica a neurocientista Lisa Mosconi, autora de O Cérebro e a Menopausa (Harper Collins, 2024).
Durante o climatério, a oscilação e queda gradual de hormônios como o estrogênio e a progesterona afetam os ovários e diversos outros âmbitos, além de regiões do cérebro envolvidas em memória, bem-estar, processamento de informações e regulação emocional.
Do ponto de vista cognitivo, o resultado é o que se conhece como nevoeiro cerebral, névoa mental ou brain fog, “uma condição comumente referida por mulheres durante o climatério para descrever problemas de memória, concentração e foco”, de acordo com o site da Clínica Mayo.
‘O cérebro encolhe, mas fica mais eficiente’
Segundo Mosconi, ao longo do climatério se observa uma mudança na estrutura e funcionamento do cérebro da mulher, com encolhimento e alteração de foco das áreas mais ativas, sobretudo as relacionadas à cognição e ao comportamento social.
Essa reconfiguração cerebral, atualmente em estudo, pode ser similar à que ocorre em dois outros (bem melhor documentados) momentos de mudança hormonal feminina: a adolescência e a gravidez.
Segundo Mosconi, o que parece uma limitação pode ser, na verdade, um fenômeno de acomodação natural e desejável, que traz dinâmica adaptativa para novas etapas.
“Os cérebros das mulheres se tornam menores, mas mais eficientes. Temos razões para acreditar que uma melhoria semelhante também ocorre com a perimenopausa”, diz.
Por outro lado, alerta, o envelhecimento neurológico feminino pode tornar-nos mais vulneráveis a problemas como Alzheimer, depressão, ansiedade, dores de cabeças e certas doenças autoimunes. Em caso de dúvida, ao sentir sintomas persistentes, a primeira atitude será sempre buscar ajuda médica.
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Entender que o climão começa na cabeça e abrange muito mais do que nossos ovários é fundamental para que a gente aborde saúde e bem-estar do jeito certo e saiba buscar apoio quando necessário. Em uma próxima coluna, eu compartilharei dicas e estratégias que vêm sendo estudadas por seu possível benefício durante essa fase de transição neurofisioloucológica. #BoraJuntas (e sem queimar a torta, como acabo de fazer… de novo!)
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