Já usei uma vintena de vezes em textos pregressos a famosa troça do Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
Pois utilizo-a mais uma vez, mas agora para restaurar o sentido do provérbio ridicularizado. Pois eu não esperava muita coisa do médico responsável pelo exame dermatológico rotineiro de acesso às piscinas da USP, e o jovem doutor Miguel pode ter salvado minha vida.
Ele chamou minha atenção para uma pinta, sugeriu fotografá-la com meu celular e, assim, constatei que aquela companheira que eu cultivava havia tempos nas costas havia subitamente se desenvolvido.
Em exatos 30 dias aconteceu o seguinte: uma médica dermatologista removeu-a; enviou o material para biópsia; o resultado indicou melanoma, o mais agressivo dos cânceres de pele, neste caso “in situ”, ou seja, superficial, localizado; consultei-me com João Pedreira Duprat Neto, oncologista cutâneo líder dessa especialidade no hospital de referência oncológica A.C. Camargo; uma remoção mais aprofundada ficou marcada para abril.
Se não houvesse o alerta no consultório improvisado sob as ruínas do velódromo do Cepê, o clube da USP, seria provável que eu não me desse conta da bomba-relógio escondida nas minhas costas. Não sou –ou não era– o tipo de pessoa que se consulta com dermatologistas regularmente.
Pois aqui fica a sugestão de que você, sendo principalmente pessoa branca, passe a adotar esse cuidado, ainda mais se já tiver de velho dobrado o Cabo das Tormentas, como este colunista. No mais, o que o doutor João Duprat recomendou foi:
– manter a atividade esportiva, nadando ou correndo, meu caso, inclusive nos mesmos horários de exposição solar, se for conveniente; uma camiseta protetiva, mesmo na piscina, vai bem;
– passar bloqueador em situações de longa exposição solar.
Ou seja, nada que uma pessoa com “pelo menos 18 anos”, como ele disse, já não devesse saber.
O que talvez desafie um pouco o senso comum é o fato de a exposição solar acumulada modificar o caráter de uma pinta que normalmente fica encoberta, sob roupas. Duprat disse que, ao contrário de áreas mais expostas, estas não costumam desenvolver uma “capa” de melanina, o que as deixam mais vulneráveis.
E, sim, houve exposição solar, mesmo que lá atrás, na infância e na adolescência. As mutações vão ocorrendo gradativamente, ao longo dos anos.
Homens da minha idade, 50 anos e fumaça desde o glorioso último dia 21, quando desenvolvem esse tipo de melanoma, muitas vezes tem-no mesmo nas costas.
E por fim: a chance de cura, disse o médico, é de “100 por cento”, desde que a pequena intervenção cirúrgica ocorra em até seis meses. Se o melanoma não tivesse sido notado, ou o tempo de sua descoberta fosse bem outro, talvez o negócio já tivesse se irradiado. Aí…
Ou seja: caso Miguel não fosse judicioso em minha consulta para a piscina –e as filas que vêm se formando no velódromo não indicam exatamente esse comportamento–, eu poderia entrar para a estatística.
E se você tem filhos, sobrinhos, irmãos menores etc., talvez seja o caso de levar bem a sério o tema da exposição solar. Como o meu próprio caso demonstra, a conta pode demorar quatro ou cinco décadas, mas um dia ela é cobrada.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.