Os deputados de Mato Grosso aprovaram, nesta quarta-feira (8), um projeto de lei complementar que muda o código ambiental estadual para atualizar as definições vegetais da amazônia e do cerrado.
A mudança, que permite que áreas florestais atualmente consideradas parte da amazônia sejam classificadas como cerrado, foi aprovada com 15 votos favoráveis e 8 contrários.
Na prática, o projeto abre caminho para que áreas da amazônia que forem reclassificadas como cerrado tenham o percentual de conservação ambiental reduzido de 80% para 35% em propriedades rurais, percentuais definidos pelo Código Florestal para reservas legais nos biomas.
Em nota publicada nesta sexta-feira (10), o Observa-MT (Observatório Socioambiental de Mato Grosso) calcula que a proposta, se sancionada pelo governo do estado, possibilitaria o desmate de 5,5 milhões de hectares de florestas, “que estariam suscetíveis a uma interpretação errônea de cerrado”.
O texto, aprovado em segunda votação, é diferente do que foi enviado à Assembleia Legislativa de Mato Grosso, em maio do ano passado, pelo vice-governador Otaviano Pivetta (Republicanos), então governador em exercício.
Originalmente, o projeto propunha apenas uma mudança na base de dados usada pelo governo na classificação vegetal para a definição de reserva legal em propriedades rurais.
Com isso, o mapa do projeto Radambrasil, iniciado na década de 1970 pelo Ministério de Minas e Energia para pesquisa de recursos naturais, seria substituído pelo mapa de vegetação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em uma escala tida como mais precisa. No texto enviado em maio, Pivetta disse que a mudança tornaria a análise do CAR (Cadastro Ambiental Rural) “mais ágil e assertiva”.
Ao longo da tramitação, porém, o conteúdo do projeto mudou. Nesta quarta, foi aprovado com o texto do substitutivo integral do deputado Nininho (PSD-MT).
Em nota técnica em resposta a um pedido da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais da Assembleia Legislativa, a diretoria de Geociências do IBGE afirma que os critérios de classificação vegetal propostos no substitutivo de Nininho divergem dos estabelecidos no manual da instituição.
Enquanto o IBGE diferencia florestas de savanas com base nas formas de vida dominantes, o texto aprovado propõe utilizar a altura média da vegetação como critério de diferenciação.
“A aprovação desse projeto de lei pelos deputados mato-grossenses […] demonstra uma falta de comprometimento com as metas e compromissos ambientais assumidos pelo estado”, critica o Observa-MT, que pede veto do governador Mauro Mendes (União Brasil).
O secretário executivo do OCF (Observatório do Código Florestal), Marcelo Elvira, diz que a aprovação de investidas legislativas que buscam flexibilizar a proteção de áreas prevista no Código Florestal é “estarrecedor”, sobretudo diante do passivo de vegetação nativa a ser recuperado no país.
Segundo o chamado Termômetro do Código Florestal, plataforma mantida pelo OCF, há mais de 19 milhões de hectares nesta situação.
“A proteção da vegetação nativa é essencial em ações de mitigação e adaptação climática e também indispensável para a manutenção da produtividade rural em Mato Grosso e na região Centro-Oeste, que depende de um regime de chuvas garantido pela vegetação nativa”, disse à Folha.
O diretor executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), André Guimarães, também avalia que o projeto é equivocado se o seu objetivo for o aumento de produção e prejudica, “numa canetada só”, amazônia e cerrado. Ele diz que estudos já demonstram não ser preciso desmatar mais para aumentar a produtividade no campo.
“Em muitos casos, os ganhos podem dobrar ou até triplicar apenas restaurando áreas degradadas ou reutilizando pastos abandonados”, afirmou, em comunicado.
Outro projeto de autoria do governo de Mato Grosso criticado por organizações ambientalistas, também aprovado recentemente, é a PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita a criação de novas unidades de conservação.
A PEC 12/2022 condicionou a criação de novas áreas protegidas no estado à regularização fundiária de 80% das unidades já existentes e à disponibilidade de orçamento para a indenização de proprietários que tenham sobreposição com áreas propostas para proteção.
Além disso, aumentou de dois para dez anos o prazo para a demarcação e regularização das unidades de conservação já existentes.
Antes de ser sancionada, em dezembro do ano passado, a proposta tinha sido considerada inconstitucional pela DPU (Defensoria Pública da União). Em nota técnica, o órgão afirma que a PEC usurpa competências da União e viola o princípio da vedação ao retrocesso ambiental.