Uma faca está em cima da mesinha ao lado uma rosa azul, provavelmente de plástico. O chamado “influenciador masculino” antifeminista, o anglo-americano Andrew Tate está sentado em uma cadeira de couro com as pernas abertas e os olhos cobertos com óculos de sol.
“Eu analisei a Terra toda. Tudo”, diz ele antes agitar uma espada no ar. Segundo ele, a causa para todos os problemas do mundo seria o fato de poucos homens andaram por aí com uma espada. “Não há homens suficientes como eu, que fazem o que querem”, acrescenta.
“Eu sou um cara que faz o que quer. E agora quero fumar um charuto, mas é difícil achar o charuto no meio de tanto dinheiro no meu bolso.”
Agora, Tate chega ao cerne de sua “análise”, ou seja, quem é realmente culpado por tudo: as mulheres. Tate as chama de “fêmeas”. Em sua opinião, as fêmeas manipulam os homens e controlam a sociedade.
“Em todo o processo de vida da fêmea, da cabeça aos pés, ela nunca pensa por ela mesma. Elas são apenas um recipiente vazio esperando para alguém instalar o programa e elas então se tornam conservadoras, liberais, feministas ou o que for”, acrescenta Tate no vídeo intitulado “A verdade sobre as mulheres” publicado em 2022 no YouTube.
O vídeo original, assim como Tate foram bloqueados na plataforma. O influenciador, que se declara abertamente misógino – quem odeia e despreza mulheres –, porém, é seguido por mais de 10 milhões de usuários na rede social X (antigo Twitter). No Telegram, seus dois canais são lidos por mais de meio milhão de usuários.
Carros, dinheiro e misoginia
Para muitos, o influenciador misógino e antifeminista é um sinônimo para a masculinidade tóxica. Mas Tate não é o único exemplo na cultura pop. Segundo o autor e filósofo alemão Ole Liebl, não há uma definição padrão para a masculinidade tóxica.
“Tóxico significa venenoso. O termo descreve homens que se comportam como babacas. Ou seja, um comportamento nocivo, destrutivo ou ofensivo que é codificado por gênero”, afirma Liebl.
Ativistas dos direitos das mulheres popularizaram o termo na década de 1980 para descrever um comportamento masculino caracterizado pela dominância e insensibilidade.
Esse termo, porém, incomoda muitos. “Ele contribuiu muito pouco para análises científicas de estruturas patriarcais. Críticos também alertam que ele coloca sob suspeita a masculinidade em geral e prejudica a saúde mental dos homens”, afirma Liebl. Uma pesquisa com 255 entrevistados da Universidade Qassim da Arábia Saudita e do Centro para Psicologia Masculina de Londres chegou as mesmas conclusões.
“É um conceito emocional e conceitos emocionais são importantes para as lutas de libertação. Eles nos ativam. Mas não é útil para a ciência”, acrescenta Liebl.
Tate pode falar muito sobre mulheres, mas elas não são seu público-alvo. Ele usa suas redes sociais para atrair clientes para seu site, onde vende cursos on-line, nos quais promete riqueza, sucesso e a libertação da “matrix” para todos por 500 dólares por ano (R$ 3.097).
O modelo atraiu inúmeros imitadores. No X e no YouTube, outros milhares vendem guias e cursos semelhantes para homens. Eles se intitulam “homens alfa” e criam fóruns para discutir como “pegar” mulheres para sexo e como redescobrir a masculinidade.
O fenômeno não se limita ao mundo virtual. Workshops de finais de semana chamados “ser autenticamente masculino” ou “viver a masculinidade” são oferecidos também por influenciadores que se autodenominam coachs ou treinadores de motivação pessoal. Alguns oferecem cursos intensivos de “oito dias de poder masculino por 1.990 euros (R$ 12.846)”. Clientes podem pagar em parcelas, informam prestativamente.
Esses workshops visam supostamente introduzir aos participantes os arquétipos do “homem selvagem, menino interior, guerreiro, e o sedutor”.
Epidemia de ‘salvadores da masculinidade’
No Reddit, é possível ter uma noção de quão problemática é a influência da ideologia pregada por Tate. A plataforma reúne depoimentos de centenas de mulheres, cujos parceiros ou filhos se tornaram fãs de Tate e se radicalizaram.
Uma dessas mulheres que buscam ajuda é a usuária Mystic_Falls36, de 27 anos. Em uma publicação, ela descreve como seu parceiro de longa data passou a consumir o conteúdo de Tate e como ele mudou. Primeiro, ele pediu para ela largar o emprego e virar dona de dona.
Agora que ela está em casa há um ano e grávida de gêmeos, seu parceiro começou a fazer comentários abusivos, como “você fica em casa o dia inteiro e não consegue mantê-la limpa” ou “você tem tempo suficiente para ir para a academia, então vá”.
Com o tempo, os comentários abusivos se tornaram agressões físicas. Na presença da família dele, o fã de Tate deu um tapa na cara dela. “O que eu devo fazer?”, pergunta Mystic_Falls36 no Reddit.
Incapaz de se relacionar
Esse comportamento não prejudica apenas mulheres, mas também os próprios homens que agem dessa maneira. Vários estudos atribuíram a esses homens menores índices de inteligência emocional, maior agressividade, taxas de suicídio mais altas, menos amigos próximos e menos consultas de saúde.
Segundo Liebl, esse comportamento também resulta na incapacidade de se envolver em relacionamentos íntimos e significativos.
Em 2022, Andrew Tate e seu irmão Tristan foram presos em Bucareste, na Romênia, acusados de estupro, tráfico humano e formação de uma organização criminosa. Eles teriam aprisionado mulheres simulando ter sentimentos por elas, antes de as forçarem a produzir filmes pornográficos. Os crimes teriam acontecido na Romênia, nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Os irmãos ainda são acusados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas pela Justiça britânica. Eles negam todas as acusações.
Em 19 de novembro, a Justiça romena devolveu o caso para a promotoria devido a erros processuais. A decisão evita que os dois sejam processados no momento.