Após sofrer ataques e ver a flexibilização do licenciamento ambiental ser aprovada com apoio da base do governo Lula (PT), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirma que a agenda ambiental avança no Executivo, mesmo com divergências.
“Tem muita gente que está do lado da proteção ambiental. O governo tem agido, mesmo em meio a contradições, do fato de sermos uma frente ampla, respondendo às necessidades da agenda ambiental. Você acha que a gente teria reduzido o desmatamento no Brasil inteiro se não fosse o esforço do governo, com 19 ministérios trabalhando junto?”, diz à Folha.
Na última terça (28), ela se retirou da Comissão de Infraestrutura do Senado após ser ofendida principalmente pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), mas também por aliados de Lula, como Omar Aziz (PSD-AM). O presidente defendeu a ministra.
Uma semana antes, a mesma Casa aprovou a flexibilização do licenciamento ambiental, com ampla votação da base do governo, apoio de ministros e sob protestos de Marina.
Parlamentares avaliam que o Executivo, nestes e em outros momentos, deixou Marina isolada, e abandonou a agenda ambiental. Ela discorda: diz que há apoio a essa pauta e que consegue liderar a adoção de medidas.
Como a sra. analisa os ataques sofridos no Senado?
Foi inaceitável. Ali havia o propósito de atacar a agenda ambiental, de intimidação, de silenciamento. Me retirei porque, se permanecesse, estaria me tornando cúmplice. Me retirar foi um ato político. Nós podemos nos levantar diante de situações a que fomos submetidas durante tantas décadas, milhares de anos.
A sra. estuda alguma medida prática contra quem a atacou?
Os mecanismos de autocorreção precisam ser acionados, porque não é só uma questão daquele indivíduo que está desonrando seu mandato e seus eleitores, mas toda a Casa está sendo ali vituperada. É inaceitável para uma instituição, qualquer que seja ela, ainda mais o Senado da República. Meus advogados já estavam trabalhando desde a primeira agressão do senador Plínio. Recebi também a solidariedade do ministro [Jorge] Messias, da Advocacia-Geral da União, e darei os passos necessários no momento oportuno.
E como avalia a repercussão?
Boa parte do que está acontecendo é porque a sociedade brasileira viu o que aconteceu no Senado, a demolição da lei do licenciamento ambiental. Tem artigos que são completamente inconstitucionais.
Isso pode ajudar a travar o projeto na Câmara, como a sra. pediu ao presidente [da Câmara] Hugo Motta?
O projeto aprovado é fruto de um relatório que não é de conhecimento da sociedade. Estamos trabalhando há quase três anos nesse debate, e havia um afunilamento que estava ficando razoável. Infelizmente, em cima da hora, apareceu um novo relatório, que foi ao plenário. Portanto, não é nem adequado dizer que o ministério, que o governo não se articulou, porque tivemos que analisar o relatório em cima da hora. O que pontuei ao presidente Hugo Motta é que é preciso do tempo necessário para os próprios parlamentares, a sociedade avaliarem.
Esse projeto tira decisão do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), um órgão técnico, sobre os regramentos do licenciamento. Ele cria uma guerra ambiental entre estados e municípios, fazendo a competição de quem flexibiliza mais as regras para atrair investimentos. Não ouvir as comunidades indígenas, é você já excluir o direito dessas comunidades. Se retirar o ICMBio, que é responsável pelas unidades de conservação do processo decisório do licenciamento, o que vai acontecer em relação aos parques, às reservas extrativistas, às áreas de proteção ambiental?
A licença por adesão e compromisso, se for para atividades de baixo impacto, é aceitável que se possa pensar nesse mecanismo. Mas não para atividades de médio impacto, como eram os casos das obras de Mariana e de Brumadinho [que colapsaram]. Não adianta mudar as leis ambientais se as leis naturais permanecerão as mesmas.
Não houve diálogo no processo até aqui?
Fizemos isso durante quase três anos, com o senador Confúcio Moura [MDB-RO]. A senadora Teresa Cristina [PP-MS] teve reuniões aqui. A nossa disposição é total, e acredito que tem caminho para evitar esse desmantelo que foi aprovado no Senado. Se nós tivermos tempo, com certeza podem, sim, ser estabelecidos caminhos para que se faça a necessária reparação.
Qual o impacto do licenciamento especial, que permite ao governo escolher projetos estratégicos, por decisão política, que passam por um licenciamento simplificado?
O fato de ser um empreendimento estratégico, ter necessidade econômica, social, humana, não elimina os problemas reais de determinados projetos, o impacto ambiental não desaparece. Se você pensa uma hidrovia que pode acabar com o Pantanal, ela pode ser estratégica mil vezes, mas se não passar pelos processos corretos de licenciamento, o impacto vai acontecer do mesmo jeito. É a mesma coisa que uma estrada, uma hidrelétrica… Não é porque é necessário, importante e legítimo que esses impactos são eliminados. Os homens legislam, mas a natureza não assimila.
O avanço de pautas como a flexibilização do licenciamento ou o petróleo na Foz do Amazonas colocam a credibilidade do Brasil em xeque na COP?
Tenho certeza que muitos deputados sabem a importância da pauta ambiental não só para a COP, mas também aos interesses econômicos do Brasil, ao acordo do Mercosul com a União Europeia, aos mais de 300 mercados que estão sendo abertos, inclusive de biocombustíveis. Tudo isso tem a ver com as respostas ambientais que estão sendo dadas. Sem a legislação, não temos sequer como cumprir os nossos compromissos de redução de desmatamento, de emissão de CO2.
Com a volta de Trump à presidência dos EUA, a agenda ambiental vive seu momento mais crítico?
É uma contradição. Tem um prejuízo, não há dúvida, só se fôssemos negacionistas para não considerar isso. Mas obviamente tem um esforço que está sendo feito pelos diferentes países, inclusive o Brasil, para [compensar]. O que não é justo é que os demais países do mundo, principalmente os em desenvolvimento, tenham que trabalhar duplamente por aqueles que não estão fazendo sua parte, como os Estados Unidos.
Dá tempo de conseguir essa mobilização?
Na Índia, o presidente do IPCC [Painel Intergovernamental para a Mudança do Clima], me trouxe uma informação muito preocupante: se antes a gente dizia que tinha uma janela de oportunidade para não deixar ultrapassar 1,5º C de temperatura da Terra, agora nós temos uma pequena fresta.
Dá tempo de construir o diálogo com quem não acredita nisso?
Não é uma questão de crença, é o que a ciência diz que salva o planeta. É meu compromisso fazer isso. E, obviamente, que a gente faz também porque acredita. Os que são eleitos são eleitos para representar aqueles que os elegem. Nesse momento um elemento fundamental é a mobilização da sociedade. Quem é que está pagando o preço do não enfrentamento da mudança do clima? Os cidadãos e as cidadãs. E, geralmente, os representantes da sociedade são sensíveis também àquilo que seus eleitores apresentam como demanda. E a sociedade já se mobilizou em muitos momentos para que seus representantes mudassem de posição.
Como a Câmara é a casa que representa a sociedade, se tivermos esse debate, tenho certeza que uma boa parte dos parlamentares irão reconsiderar e encontrar um caminho para que a gente não inviabilize a proteção ambiental.
Mas a sociedade elegeu esta Câmara.
Vivemos o que chamo de pedagogia do luto, da dor, do medo. Infelizmente. Desde as eleições de 2022, tivemos acontecimentos, como do Rio Grande do Sul, na Amazônia, no Pantanal, em São Paulo… O que até bem pouco tempo era colocado como possibilidade agora é realidade. Isso muda a qualidade do debate, e a perspectiva é que mude também a sensibilidade daqueles que representam a sociedade.
Então por que parlamentares e até parte do governo apoiaram a flexibilização do licenciamento, e dizem que a sra. está isolada?
Tem muita gente que está do lado da proteção ambiental. O governo tem agido, mesmo em meio a contradições do fato de sermos uma frente ampla, respondendo às necessidades da agenda ambiental. Você acha que a gente teria reduzido o desmatamento no Brasil inteiro se não fosse o esforço do governo, com 19 ministérios trabalhando junto? Você acha que nós teríamos uma NDC [meta nacional de redução dos gases de efeito estufa] ambiciosa se não fosse um esforço de governo? Seria possível ter um plano de transformação ecológica? O EcoInvest? É um esforço de governo, com as contradições que tem em algumas situações. As convergentes não vem à luz. Ninguém fala sobre problema evitado, sobre quantos hectares a gente protegeu porque o licenciamento ambiental evitou o desmatamento.
Às vezes as reuniões são difíceis, tensas, mas eu celebro o resultado. As NDCs brasileiras, chegou um momento que virou um impasse. E foi uma decisão do presidente Lula de que a NDC deveria ser ambiciosa.
Em algum momento a sra. avaliou que a agenda não tinha mais como avançar dentro do governo, que não tinha mais como ficar?
Existem duas agendas dentro do governo que o tempo todo elas estão em evidência: a econômica e a agenda ambiental. É uma agenda que anda com as dificuldades de um modelo em disputa.
Elas se encontram na prática. O modelo próspero de desenvolvimento da sociedade é aquele em que eu tenho educação de qualidade, saúde, produção agrícola, industrial, uma economia diversificada, duradoura, que gera emprego e renda. E, nesses três anos e meio do governo do presidente Lula, nós diminuímos drasticamente o desemprego, conseguimos reduzir pobreza, reduzir o desmatamento.