Os manguezais brasileiros têm potencial para gerar ao menos R$ 48,9 bilhões em crédito de carbono, conforme levantamento lançado nesta quinta-feira (24) na COP16, convenção de biodiversidade da ONU que acontece em Cali, na Colômbia.
O estudo, feito pelo projeto Cazul com apoio da Fundação Grupo Boticário, identificou 1,3 milhão de hectares de manguezais na costa brasileira —área equivalente a nove cidades de São Paulo—, com capacidade para armazenar 1,9 bilhão de dióxido de carbono (CO2).
A intenção da publicação, que está disponível na plataforma do projeto, é popularizar o conhecimento para que ele seja usado por comunidades locais que dependem do mangue, como pescadores e marisqueiras, diz a analista ambiental Laís Oliveira, líder executiva do Cazul.
O pescador Alaildo Malafaia, presidente da cooperativa Manguezal Fluminense, diz que recolher esse tipo de recurso financeiro é “um sonho”. “Uma esperança de qualidade de vida para todos nós”, afirma. A associação de 32 pescadores, que assiste a outros 3.000, trabalha há 16 anos principalmente com a restauração de manguezais na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
O projeto da cooperativa, assim como outros que reduzem emissões de gases de efeito estufa ou que capturam CO2, poderia render recursos ao compensar a emissão feita por grandes empresas de setores como aviação e agronegócio.
Nos mangues, assim como nas florestas, o processo conhecido como sequestro de carbono ocorre nos troncos, galhos, raízes e folhas da vegetação. Mas os manguezais têm capacidade de 3 a 5 vezes maior de estocar carbono do que as florestas terrestres, segundo o estudo do projeto Cazul (nome que se refere ao carbono azul, como é chamado o CO2 sequestrado por ambiente costeiro e marinho).
Essa capacidade pode gerar um fundo monetário para ser distribuído entre comunidades tradicionais que obtêm sua renda do ambiente, defende Pedro Belga, criador da ONG Guardiões do Mar, que é parceira da cooperativa Manguezal Fluminense.
“Hoje só se fala de mercado de carbono. Só que esse mercado ainda é muito ‘greenwashing’ [falsa aparência de sustentabilidade], não chega na ponta. Ou seja, o empresário precisa emitir carbono para obter lucro e compra o crédito em várias partes do planeta para limpar sua barra. Só que isso está começando a mudar”, afirma Belga.
O projeto Nosso Mangue, liderado pela empreendedora social Mayris Nascimento em Maceió, pretende gerar o primeiro crédito em área de manguezal no Brasil. Em novembro, o negócio de impacto social vai abrir uma rodada de investimentos em São Paulo para captar recursos e conseguir gerar os créditos, diz Nascimento. A empreendedora vai apresentar o projeto no próximo dia 30, em painel da COP16.
Segundo ela, a venda de créditos se dá a partir da recuperação e conservação diárias de manguezais realizadas pelas comunidades ribeirinhas em parceria com o Nosso Mangue. “É uma cooperação de saberes”, diz.
Com o recurso da compensação no próximo ano, por exemplo, a associação espera impulsionar o desenvolvimento de cadeias produtivas locais para que as marisqueiras não fiquem na zona de vulnerabilidade social quando houver escassez de sururu, um tipo de mexilhão.
“Existe uma sazonalidade da produção do sururu. Ele se reproduz mais no verão e, no inverno, some. E a gente está passando por um período de escassez muito grande dele, por causa de questões climáticas e também devido a um sururu invasor”, diz.
Segundo os cálculos do estudo “Oceano Sem Mistérios: Carbono Azul dos Manguezais”, do projeto Cazul, o estado de Alagoas tem potencial para captar ao menos R$ 213 milhões em créditos de carbono no mercado voluntário a partir dos manguezais.
O mercado de carbono é dividido em mercado regulado e voluntário. No mercado regulado, os governos estabelecem limites de emissões para diferentes setores da economia e permitem que empresas comprem créditos específicos para compensá-las. No voluntário, as próprias empresas e pessoas compram créditos espontaneamente, sem obrigação.
No Brasil, o mercado regulado de carbono ainda não existe, apesar de o tema ser discutido no Congresso.
O estudo considerou que, no mercado voluntário brasileiro, a tonelada do CO2 já foi vendida por R$ 25,85 (US$ 4,6). Mas, segundo o projeto, para que ocorra a transição para uma economia de baixo carbono no país, a tonelada deveria ser negociada em um valor de R$ 562 (US$ 100).
Se houvesse uma regulação com o valor indicado pelos pesquisadores, Alagoas poderia gerar ao menos R$ 4 bilhões em créditos de carbono a partir dos manguezais. Outros estados com maior concentração do bioma poderiam lucrar ainda mais.
É o caso do Pará (R$ 322 bi), do Maranhão (R$ 315 bi) e do Amapá (R$ 175 bi), os três com maior extensão de manguezais —Alagoas fica em 16º.
Segundo a publicação, com a regulamentação do mercado de carbono, o potencial dos manguezais em crédito de carbono pode chegar a R$ 1,067 trilhão. O Brasil possui a segunda maior extensão de manguezais do planeta.
O trabalho identificou e atualizou informações sobre as áreas de manguezal no país por meio da interpretação visual e classificação automática de imagens de satélite, partindo de uma base de dados do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de 2018.
Conforme a publicação, os manguezais estão presentes em 300 municípios brasileiros, concentrando 40 milhões de pessoas.
A reportagem viajou a convite da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.