Em uma área de dificílimo acesso no Pará, fica um novo santuário da floresta amazônica, o Parque Estadual das Árvores Gigantes. Criado para conservar espécimes centenários com altura de arranha-céus, o lugar abriga um angelim-vermelho de 88,5 metros que é considerado a árvore mais alta da América Latina.
A reserva, de 560 mil hectares, foi anunciada por decreto em setembro e é derivada da Flota (Floresta Estadual) do Paru, unidade de uso sustentável de mais de 3 milhões de hectares. Na área que ganhou o novo status, as regras são mais restritas do que no restante da Flota, para maior proteção.
O santuário foi criado pelo governo do Pará, em ação entre Ideflor-Bio (Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade), Ifap (Instituto Federal do Amapá) e a ONG FAS (Fundação Amazônia Sustentável), com financiamento do AFF (Andes Amazon Fund).
O projeto, que foi apresentado na COP16, conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre biodiversidade realizada em Cali, na Colômbia, deve ainda impulsionar pesquisas científicas e turismo ecológico na região, diz o geólogo Nilson Pinto de Oliveira, presidente do Ideflor-Bio.
“Quando as árvores gigantes foram descobertas, verificou-se algo especial, que precisava ser protegido. [No parque,] é possível protegê-las melhor do que em uma unidade de uso sustentável. Lá não se pode produzir madeira nem agropecuária”, explica.
Nilson conta que a delimitação da área foi feita por meio de imagens de satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). “Nós temos segurança de que essa é a área principal de ocorrência das árvores gigantes, que existem na margem direita do rio Jari, que está sob a nossa jurisdição. Há árvores gigantes também do outro lado do rio, no Amapá.”
O santuário, no município de Almeirim (PA), guarda espécimes tão grandes que chegam a formar microecossistemas em meio à mata. Plantas epífitas, como trepadeiras –que se apoiam em outras espécies—, insetos, pássaros e primatas, como o macaco guariba (Alouatta macconnelli), vivem nas copas e ao redor dessas árvores monumentais.
Com espécies cobiçadas por madeireiros, o parque tem o desafio de garantir que esses gigantes continuem de pé, afirma o engenheiro florestal Virgilio Viana, superintendente geral da FAS.
“Esses indivíduos estavam fadados a serem tábuas. Não só as árvores [seriam dizimadas]. Há uma biodiversidade enorme na copa dessas espécies. É uma decisão muito simbólica colocar a biodiversidade como fator mais importante do que o valor da madeira”, avalia.
Justamente o angelim (Dinizia excelsa), destaca Viana, é uma dessas espécies procuradas pelo valor comercial, o que ameaça a existência da árvore mais alta da América Latina.
“É uma espécie que responde por uma parte importante da produção madeireira, que é na sua grande maioria ilegal. É uma árvore que tende a ter uma madeira sem defeito, valiosa no mercado”, conta.
Junto da criação do parque, vem também a promessa de entender, por meio de pesquisas, por que essa região da amazônia foi capaz de criar espécimes gigantes —em média, de 45 a 50 metros, mas podendo chegar a 80, como a anciã-mor. A recordista, além da altura impressionante, tem 9 m de circunferência, encorpados durante um tempo de vida estimado entre 400 e 600 anos.
“Além dos angelins, essa é uma região que tem uma floresta muito biodiversa. Uma explicação simples para isso é que o volume do ecossistema é maior. Imagine que você tenha um ecossistema com árvores de 40 metros e um outro com árvores de 80 [metros]”, explica também Viana.
“Você tem um dobro de volume de flores, frutos, troncos, galhos para abrigar insetos, musgos etc. Então isso cria um ecossistema excepcionalmente rico”, completa.
Floresta ameaçada
A Flota do Paru, lar do parque das árvores gigantes, sofre com garimpo ilegal e desmatamento. A região é explorada por mais de 2.000 garimpeiros, com pistas de pouso clandestinas usadas pelos criminosos, segundo dados de órgãos do governo e organizações ambientais que integram inquérito civil instaurado pelo MPF (Ministério Público Federal).
Desde 2008, mais de 8.000 hectares da Flota do Paru foram desmatados. O pior momento ocorreu em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando 1.400 hectares foram devastados.
Questionado sobre o andamento do inquérito, o MPF afirmou que a ação ainda não foi concluída e que tem como objetivo “compelir órgãos públicos a promoverem a paralisação de atividade garimpeira ilegal na Floresta Estadual do Paru, em área próxima à Estação Ecológica do Jari”.
Também procurada, a ANM (Agência Nacional de Mineração) disse que existem em uma pequena parte da floresta direitos minerários requeridos por PLG (permissão de lavra garimpeira) –voltada para atividades de porte reduzido, como cooperativas–, mas que não foram localizados títulos vigentes na região.
A ANM afirmou ainda que a Flota do Paru permite atividade de mineração em seu plano de manejo e que órgão trabalha para investigar a exploração ilegal.
Expedição ao santuário
Para levantar dados sobre a área, em maio deste ano, um grupo realizou uma expedição de 15 dias (entre a ida e a volta) para encontrar os titãs de madeira que agora formam o santuário das árvores gigantes.
A equipe, com mais de 20 pessoas, foi formada por pesquisadores e funcionários de apoio, em uma rota difícil pela mata e pelo rio Jari. Foram realizadas coletas da vegetação e da fauna, como peixes de pequeno porte.
Agora, com a promulgação do parque, Viana afirma que os próximos passos devem ser dados na prática, com ações que resguardem de fato essa área singular da devastação.
“Uma coisa é criar no papel. Só que lá na floresta não muda nada. O que a gente precisa fazer agora é transformar essa criação muito importante numa ação concreta e apoiar a fiscalização, com logística para a polícia ambiental”, diz.