Um estudo realizado no Reino Unido mostrou que o uso recreativo da maconha aumenta a probabilidade de desenvolvimento de psicoses clínicas em todos os usuários, mesmo entre aqueles sem predisposição genética.
O trabalho, publicado na revista científica Psychological Medicine, joga nova luz sobre a relevância dos nossos genes como fatores de risco para o quadro, que até então não estava bem esclarecida. Para os pesquisadores, o teor de THC (tetrahidrocanabinol) presente na maconha é mais determinante do que a presença de características hereditárias no surgimento dessas condições
A ação psicoativa da maconha no cérebro humano é causada pela presença de substâncias como o THC. Uma vez dentro do organismo, essas moléculas podem induzir psicoses, sejam elas passageiras, como uma “bad trip”, ou definitivas, como a esquizofrenia.
Segundo o professor e pesquisador da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Thiago Henrique Roza, embora exista essa associação, a droga não é a única responsável pelo quadro. Para que ocorra o surgimento de psicoses, especialmente as definitivas, o indivíduo deve ter também outros fatores de risco.
Alguns desses fatores são ambientais, como violência e estresse no início da vida, negligência emocional ou violência e abuso sexual, que geram mudanças epigenéticas. Outros são genéticos, transmitidos entre gerações.
Investigar em que medida os nossos genes podem favorecer ou não o surgimento de episódios psicóticos entre os usuários foi o objetivo principal dos pesquisadores britânicos no novo trabalho.
Para isso, usaram dados de mil participantes do European Network of National Schizophrenia Networks Studying Gene-Environment Interactions (EU-GEI) e 143 mil do UK Biobank. Ambos os grupos incluem informações genéticas, dados autorrelatados de uso de maconha e diagnósticos de psicose dessas pessoas.
As informações genéticas foram reunidas em escores de risco poligênico (PRSs) para esquizofrenia e transtorno de uso de Cannabis. Esses escores são uma espécie de resumo dos efeitos estimados de muitas variantes comuns de genes para o desenvolvimento de uma doença ou distúrbio.
Com os dados de ambos os conjuntos, os resultados mostram um aumento do número de diagnósticos de psicose e o consumo de Cannabis ao longo da vida. Quando os pesquisadores fizeram os ajustes dos dados com base nos PRSs para esquizofrenia, os resultados mostraram a mesma tendência.
Os resultados revelam que a simples predisposição genética à doença não favorece o surgimento de psicoses entre a parcela da população que faz uso de THC. Por outro lado, surtos psicóticos foram mais evidentes entre os usuários de maconha de alta potência, isto é, com teores de THC maior que 10%.
A relação entre uso de maconha e predisposição genética à psicose não pode, entretanto, ser de todo descartada. Matheus Casquer, médico psiquiatra e pesquisador da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), ressalta que a relação é multifatorial e pode gerar uma diferença estatística.
Um estudo publicado em 2023 na revista científica The Lancet Psychiatry, por exemplo, mostrou que indivíduos geneticamente propensos ao desenvolvimento de psicoses são mais predispostos ao uso de maconha.
A pesquisa, que avaliou dados genômicos de pessoas de ascendência europeia, destaca a necessidade de concentrar campanhas de saúde pública para reduzir o consumo de Cannabis, especialmente entre pessoas com maior risco genético ou que já sofrem de transtornos psicóticos.
Importante destacar que o surgimento de sintomas psicóticos está associado a usuários que consomem maconha com THC, que está associado à alteração da consciência. Usuários de Cannabis medicinal, por sua vez, consomem óleos com quantidades enriquecidas de CDB (canabidiol).
Pesquisadores dos Estados Unidos investigaram os possíveis efeitos do tratamento prolongado com CDB, e os resultados do estudo foram publicados no Journal of American Medical Association. Após acompanharem 89 pessoas por um ano, das quais 57 faziam uso médico da Cannabis, eles concluíram que não houve nenhuma alteração significativa entre a atividade cerebral nas áreas de cognição, de memória de trabalho, de recompensa e de controle inibitório que pudesse ser associado ao tratamento.
Thiago Henrique Roza, da UFPR, reafirma que o canabidiol geralmente não apresenta risco nem para indivíduos com psicose, mas ressalta que as pesquisas sobre tratamento com Cannabis ainda são incipientes para a maioria dos transtornos mentais.