O governo Lula (PT) trabalha desde agosto em um novo plano nacional de recuperação de aparelhos celulares roubados ou furtados, mas a discussão não conta com a participação dos estados mais populosos: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, todos eles governados pela oposição.
A proposta do governo é incluir no Programa Celular Seguro, que atualmente permite às vítimas bloquear o aparelho roubado, a possibilidade de optar pela tentativa de recuperá-lo. A iniciativa é inspirada em modelo adotado pelo Governo do Piauí, estado governado pelo PT.
Um grupo de trabalho foi criado em 1º de agosto pelo ministro Ricardo Lewandowski (Justiça), composto por 11 das 27 unidades da federação —Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins.
Procurado, o Ministério da Justiça negou motivações políticas e disse que, por questões técnicas, escolheu para a fase de testes os 11 estados que já utilizam o Sistema PPE (Procedimento Policial Eletrônico). Se a medida se mostrar exitosa, diz, a oferecerá a todo o país.
Em dezembro, o governo federal lançou o Celular Seguro, programa que permite às vítimas de roubo ou furto —ou pessoas de confiança previamente cadastradas— bloquear os aparelhos registrados via site ou aplicativo.
A ideia do governo federal com o grupo de trabalho instituído em agosto é atualizar o programa com uma nova funcionalidade, a de tentativa de recuperação.
Com isso, a vítima poderá optar pelo bloqueio total, como ocorre hoje, ou apenas o dos aplicativos e do chip, deixando livre a possibilidade de habilitação de um novo chip.
O modelo usado no Piauí funciona com base no Imei (identidade única de cada celular) do aparelho, que é inserido na base de dados por meio dos boletins de ocorrência.
A partir do cruzamento com dados das operadoras de telefonia sobre habilitação de outros chips nesses aparelhos, o programa envia automaticamente mensagem de texto ao novo usuário informando a situação irregular e o intimando a devolver o aparelho em uma delegacia, sob pena de responder criminalmente.
Caso seja feita a devolução e não haja indicativos de envolvimento da pessoa no furto ou roubo, não há implicação a ela. Caso não haja a devolução, em alguns casos pode haver diligência policial para recuperação. O último passo é convocar as vítimas para reaver os aparelhos.
O Governo do Piauí diz que em um ano e dez meses de programa cerca de 9.300 celulares roubados ou furtados foram recuperados no estado.
De acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2024, quase 940 mil aparelhos foram roubados ou furtados no Brasil no ano anterior.
Na quinta-feira (31), Lula e Lewandowski reuniram governadores no Palácio do Planalto para apresentação da PEC da Segurança Pública. Na ocasião, além da ausência de alguns chefes de executivo estaduais da oposição, o petista trocou farpas com Ronaldo Caiado (União Brasil-GO).
Caiado chamou a proposta da PEC de inadmissível e defendeu maior autonomia para estados legislarem sobre temas penais. O final, Lula ironizou a fala dizendo ter conhecido o único governador que não tem problema de segurança no seu estado.
Embora período de 90 dias do grupo de trabalho esteja próximo de se esgotar, o Ministério da Justiça diz que o prazo será prorrogado.
“A proposta é oferecer aos usuários do Celular Seguro, na próxima atualização, opções independentes, de bloqueio do celular, da linha, das instituições financeiras ou das instituições parceiras. A sugestão do aplicativo será não bloquear o aparelho porque isso permitirá que o celular furtado/roubado possa manter ativa sua localização, aumentando as chances das autoridades policiais de restituírem o aparelho”, disse, em nota.
Questionada como ficaria a situação de um cidadão que use o Celular Seguro em um estado que, eventualmente, não faça a adesão ao novo modelo, a pasta não respondeu, afirmando apenas que trabalha para que haja um sistema de segurança pública único no país.
“Todas as unidades da Federação são convidadas e incentivadas a aderir às propostas da pasta […] Este será um projeto-piloto, as ações serão executadas em menor escala para que, sendo identificada qualquer necessidade de ajuste, seja mais simples reparar. O que prevalece, nesse momento, é, de fato, a questão técnica. Tendo êxito na execução do piloto, o MJ irá ampliar a iniciativa para todos os estados do país.”
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que tem um sistema próprio para coibir roubos e furtos de celulares e que, a convite, enviou uma equipe em junho para acompanhar o modelo usado no Piauí.
“A ação foi uma troca de experiência interestadual a fim de aperfeiçoar o combate aos roubos e furtos de celulares, que no estado paulista já vem apresentando bons resultados.”
A pasta da gestão Tarcísio de Freitas (Republicamos) disse que se o novo modelo do governo federal se mostrar viável, irá aderir, “como já foi feito com outros programas federais’.
O governo Romeu Zema (Novo) respondeu dizendo já ter um grupo de trabalho próprio, razão pela qual não aderiu à discussão federal. Uma comitiva mineira também esteve no Piauí e disse que a adesão ao futuro modelo federal dependerá do resultado do grupo de trabalho local.
A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro afirmou apenas que realiza regularmente a devolução de aparelhos recuperados e que desconhece o projeto federal. A pasta da gestão Cláudio Castro (PL) não respondeu se pretende aderir à nova funcionalidade federal.
Entenda o que pode mudar
Como é hoje
- O Programa Celular Seguro permite às vítimas de roubo ou furto —ou pessoas de confiança previamente cadastradas por elas— bloquear os aparelhos.
- O cadastro e o acesso ao Celular Seguro é feito pela conta Gov.br. Os aparelhos podem ser registrados via site, disponível neste link, ou aplicativo, na Play Store (Android) e App Store (iOS).
- No caso de roubo ou furto, a pessoa pode bloquear o aparelho pelo site, o que também pode ser feito no celular ou no site pelas pessoas de confiança autorizadas a efetuar a ação.
O que propõe o novo modelo
- A ideia é dar a opção ao cidadão de bloquear aplicativos e chip, mas não o aparelho, acionando a funcionalidade de recuperação.
- Com base no Imei (identidade única de cada celular) do celular roubado ou furtado, a autoridade policial do estado vai saber, por meio de informações das operadoras de telefonia, quando um novo chip for habilitado no aparelho.
- O novo usuário receberá automaticamente intimação por meio de mensagem de texto informando a situação irregular e a necessidade de devolver o aparelho, sob pena de responder criminalmente.
- Quando não há devolução voluntária, pode haver diligência policial para recuperação.
- Por fim, as vítimas são chamadas para reaver os aparelhos.