O Banco Central oferece bilhões de dólares mas o câmbio segue nas alturas, com um ou outro respiro. Mesmo a taxas recordes, investidores hesitam em comprar os títulos de dívida que financiam o governo. A disparada do dólar e dos juros faz estrago na vida de pessoas e empresas. O país se aproxima perigosamente de um ciclo vicioso em que a política monetária, por mais forte que seja, não dá conta de segurar a inflação.
A origem da crise é bola cantada desde a transição de governo, no fim de 2022: o pouco caso de Lula com as contas públicas, com o dinheiro do contribuinte. O alerta é óbvio e foi repetido à exaustão: devedor que gasta mais do que ganha e não se compromete a mudar está fadado a pagar juros mais altos – e a dever mais.
Mas o chefe do Executivo finge que não é com ele (“Ninguém nesse país, do mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu”, andou dizendo). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está inerte. O Congresso, representante do povo, se omite – quando não piora as coisas. O BC pilota sozinho na turbulência, e leva a culpa.
O mercado está exagerando na reação? É sempre uma hipótese. Gente graúda usa expressões como “disfuncional” e “irracionalidade” para descrever o clima de negócios e os preços. Para o PT e a esquerda, a explicação de bolso é “ataque especulativo”; talvez imaginem que dólar e juros vão cair se a polícia bater na Faria Lima.
Parece mais provável que o povo das finanças esteja simplesmente caindo na realidade depois de passar muito tempo dando votos de confiança ao governo.
Quando muito, as propostas desaceleram a expansão das despesas; adiam o colapso do arcabouço fiscal. Não bastasse isso, a equipe econômica decidiu (ou foi obrigada a) incluir uma surpresa de última hora: a reforma do Imposto de Renda. Uma maravilha para o grande público que fugirá do Leão, um rombo de dezenas de bilhões de reais nas esburacadas contas federais.
Haddad garantiu que a proposta é “neutra”, pois será compensada pela tributação dos mais ricos. Combinou com o Congresso? Todos sabem que não. Tentativas anteriores de taxar a alta renda foram rechaçadas ou no mínimo desidratadas pelo Parlamento.
Historicamente, o Congresso é criador de gastos e renúncias fiscais. E fica mais à vontade quando encontra um Executivo com a mesma inclinação.
O Ministério da Fazenda só deve mandar a proposta do IR no ano que vem. Enquanto isso, parlamentares tratam de afrouxar o embrulho que já receberam e não era dos mais firmes. E com um espantoso senso de realidade.
Exemplo. O deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), relator de um dos projetos do pacote fiscal, relaxou regras do Fundo do Distrito Federal e normas de acesso ao BPC, programa assistencial cujas despesas saltaram nos últimos anos em meio a suspeitas de fraudes e generosas decisões judiciais. E declarou o seguinte: “Tenham certeza que terá austeridade fiscal. O texto vai ser muito austérito (sic) e vai surpreender o mercado financeiro”.
Embora publicamente uma ou outra liderança cobre austeridade do governo, iniciativas mais duras de ajuste fiscal surgidas no próprio Legislativo – como a PEC proposta por um grupo de deputados – não avançam por falta de apoio.
Pelo lado da esquerda, o que se ouve são argumentos como os do deputado Glauber Braga (Psol-RJ) ao votar contra propostas de ajuste na sessão de quarta-feira (18): “Não! Nós não podemos fazer isso. A austeridade fortalece a extrema direita”.
Daí ser admirável a fé do secretário do secretário do Tesouro, Rogério Ceron. No dia da apresentação do pacote fiscal, ele disse acreditar que os parlamentares poderiam ampliar seu alcance para outras despesas.
Como o governo assiste ao caos sem reação, é de supor que torça pela aprovação “do jeito que der”, na esperança de que o mercado reaja bem à versão esvaziada de um plano que já considerava frustrante.