Um homem de casaco marrom sacou uma arma e matou o presidente de uma empresa de planos de saúde numa calçada de Nova York. Pouco depois, foi divulgada uma imagem do suspeito em um hostel. Tratava-se de um homem com grossas sobrancelhas e um sorriso bonito.
Isso foi o suficiente para que usuários de mídias sociais começassem a ir à loucura, o que só aumentou quando ele foi preso e sua identidade e fotos foram divulgadas.
Em redes como X, Bluesky, Instagram, TikTok e Reddit pessoas de todos os gêneros e sexualidades possíveis comentam o quanto o rapaz é bonito, sarado, malhado. Alguns desenvolveram uma verdadeira obsessão por buscar informações sobre ele. Está longe de ser a primeira vez que um criminoso desperta paixões e interesse afetivo e sexual no público. O que explica isso?
Primeiramente, nesse caso específico, o contexto político e social tem grande participação. A indústria de planos de saúde é uma das mais odiadas pela população estadunidense. É comum que usuários recebam péssimo atendimento e tenham suas solicitações de exames e tratamentos negadas.
O país mais rico do mundo não tem um sistema de saúde pública como o brasileiro. O SUS muitas vezes não oferece um tratamento rápido e expresso, mas existe e atende gratuitamente os cidadãos que precisam, independentemente da classe social.
Por lá, a pessoa que precisa de uma ambulância e cirurgia de emergência pode acumular dívidas impagáveis mesmo que tenha plano, pois eles frequentemente se negam a cobrir procedimentos.
Esse cenário infeliz fez com que muitos americanos apoiassem o crime, de modo que o criminoso goza da simpatia do público –diferentemente de sua vítima. O fato de ele ter beleza padrão (é branco, magro, tem músculos definidos) se somou a isso.
Contudo, muitos criminosos que atraem uma legião de admiradores não têm um cenário como esse para “atenuar” suas atitudes perante o público. Veja os casos de Charles Manson, líder de uma seita que cometeu nove assassinatos em 1969, inclusive o da atriz Sharon Tate, então grávida; Ted Bundy, que confessou ter estuprado e matado 30 meninas e mulheres na década de 70; Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, que estuprou e matou ao menos sete mulheres e tentou matar outras nove no fim da década de 90.
Todos eles receberam cartas de admiradoras e chegaram até mesmo a encontrar esposas entre elas.
Como para tudo na vida, existe uma palavra para patologizar (e individualizar) o fenômeno: hibristofilia, perversão que denota a atração sexual por quem comete crimes violentos, como estupro e assassinato, muitas vezes múltiplos.
A condição, mais comum em mulheres, envolveria uma série de crenças e fatores. Muitas acreditam que são capazes de mudar homens tão violentos, outras querem cuidar da criança ferida que eles um dia foram, outras querem a fama e a atenção da mídia, outras veem em um presidiário o namorado perfeito, incapaz de traí-las e de demandar que elas lavem roupas e façam comida.
Contudo, a jornalista Sheila Isenberg, que entrevistou várias mulheres que se relacionam com presos violentos e publicou o livro “Women who Love Men who Kill” (mulheres que amam homens que matam, em tradução livre), diz que não enxerga as coisas dessa forma.
Ela fala que todas as suas entrevistadas vinham de famílias violentas em que um dos pais era extremamente controlador, muitas vezes anulando suas identidades. Várias delas sofreram abusos sexuais e físicos.
De acordo com Isenberg, a maioria não era atraída pela violência e nem estava tentando mudar os assassinos porque elas acreditavam na inocência deles. A mulher do Maníaco do Parque, por exemplo, separou-se dele porque descobriu que ele tinha um temperamento “muito violento” –algo que, apesar de amplamente noticiado, ela só percebeu depois de casar.
A jornalista diz ainda que elas viviam uma fantasia em que o criminoso não só era inocente, como um dia iria ser solto e eles formariam um casal e viveriam um romance perfeito. O fato de essa fantasia ser impossível de se tornar realidade –afinal, muitos desses homens foram condenados à prisão perpétua ou à morte e não podem receber visitas íntimas– é especialmente atraente.
Sob essa perspectiva, esses homens não são sexualmente atrativos porque podem machucá-las, mas sim porque jamais poderão machucá-las, afinal, estão presos.
Independentemente da teoria que se possa formar acerca disso, é fato que crime é um assunto que interessa o público feminino. Um levantamento feito esse ano pela Podchaser, plataforma e banco de dados sobre podcasts, apontou que 61% dos ouvintes dos 25 principais programas de “true crime” dos Estados Unidos são mulheres.
Além disso, o gênero “dark romance“, que mostra situações de crime e abuso, vem ganhando o interesse das leitoras de romances eróticos. Creio que temos muito material para um estudo sociológico.