Uma aventura que incorpora e renova bastantes elementos de acção e exploração da série Like a Dragon, assistida no entanto por uma maior irreverência em alto mar, onde confrontos entre piratas nos levam a recuar até à época dos Descobrimentos.
Praticamente ao ritmo de uma entrada por ano, seja a título de remake, spin off ou novo capítulo da série, aos olhos de um jogador não atento à evolução de Yakuza e Like a Dragon, até parece que o nível de redundância atingiu novos máximos. E no entanto, é nestas sucessivas viragens dos modelos de jogo oferecidos, alternando entre sistemas de combate por turnos e o combate de um Virtua Fighter, que o estúdio Ryu Ga Gotoku continua a escarnar o drama através de diferentes personagens, soltando abismos, rasgando fronteiras e levando-as a experimentar algo de substancialmente diferente.
O que começou por ser um epicentro de Kazuma Kiryu, megulhado em exploração sob as luzes vermelhas dos distritos mais quentes de Tokyo, muita acção brutal e cenas de forte carga emocional e dramática em quase duas décadas abriram o leque a outras personagens e momentos igualmente inolvidáveis. Voltar a jogar um Like a Dragon é como voltar a uma Sega que conhecemos desde os tempos de Shenmue, essa colossal produção que na viragem do milénio contribiuiu para precipitar a crise financeira da companhia e que a levaria a retirar-se da produção de consolas.

Mas a cada nova entrada, a título principal ou meramente como spin off, o tempo da surpresa reflete-se em poucas horas. A possibilidade de ser invadido por um novo ambiente, diferentes localizações, actividades, desafios, missões secundárias e mini jogos, dos mais bizarros aos mais autênticos, provam a versatilidade deste já célebre estúdio por gerar o caos em doses moderadas antes de afastar as cortinas do palco principal e proporcionar a elevada carga dramática.
Goromajima, o terror dos mares
Anunciado o ano passado, em setembro, Like a Dragon: Pirate Yakuza in Hawaii içou as velas em direcção ao Oceano Pacífico, numa ostensiva deriva em direcção a Hawaii e às múltiplas ilhas e ilhéus circundantes. Se o cenário paradisíaco e a cidade de Honolulu são uma revisita, é no barco pirata do tipo quinhentista e no papel de capitão “gancho” que o célebre Goro Majima se torna exponencial, preservando o tom de comédia que lhe é habitual e ao mesmo tempo a força nos combates e a elevada carga emocional nos momentos dramáticos.
Ainda que de velas içadas e por mares navegados, em busca de tesouros, em acesos e disputados combates navais, a carga dramática e um rol de cutscenes teatrais preservam a identidade carismática da série. Yakuza in Hawaii introduz nuances e um conjunto de actividades para lá do esperado em episódios anteriores, mas mantém um fio condutor ao longo da narrativa que acaba por preencher os espaços e ligar-se aos jogos anteriores. É verdade que as primeiras horas são algo caóticas e acontecem tantas coisas em tão pouco tempo, são introduzidos vários sistemas, especialmente a navegação, o combate e a gestão da tripulação do Goromajima, que o enquadramento na narrativa tarda em fazer-se, gerando mais distrações, caos e menos seriedade.

Por um lado é bastante divertido ter sempre qualquer coisa a aprender e fazer. Do sistema de combate à gestão da tripulação, é uma aventura em crescendo. A narrativa leva o seu tempo a arrancar. Nos instantes iniciais vemos Goro Majima despertar numa praia paradisíaca, completamente amnésico, de corpo tatuado e apenas com um punhal na mão. Estranhos piratas rufias deambulam pela praia, procurando desacatos. A Yakuza não lhe diz nada, não lhe chega uma nesga do passado, mas é naquela ilha onde desperta que haverá de conquistar a tripulação de uma caravela desgastada, depois de a vencer em sucessivos confrontos.
Comparsas de uma aventura
Majima começa por se afeiçoar a uma criança chamada Noah, cujo pai fora um bravo pirata. Ambos desenvolvem uma ligação de amizade e emocional, valendo-se um ao outro em momentos diferentes. Noah tem um pequeno tigre consigo, que também entra na aventura. Todos acabam por rumar ao alto mar, numa viagem inesquecível. É a primeira vez de Noah fora da ilha. Como referi atrás, o ritmo inicial da aventura é lento, pretendendo com isso acomodar o jogador aos sistemas.
Se o combate tem novas nuances como os golpes aéreos, a juntar à pistola e às espadas, como um verdadeiro pirata, é na tomada do leme da embarcação que a aventura adquire novos contornos. A caravela não está no melhor estado, mas a tripulação é suficiente para fazer disparar os canhões nas laterais e usar a metralhadora para disparos na proa. Naquele Pacífico, à beira de ilhas tropicais, existem ilhas dos tesouros, faróis que possibilitam uma aproximação e muitas embarcações piratas com as quais as batalhas são inevitáveis.

A exploração é recompensada na forma de desembarque nas ilhas dos tesouros. Existem combates em catadupa antes da descoberta da arca. Pelo meio ocorrem diálogos com diferentes npc’s, curiosos e irreverentes piratas. É realmente uma apreciável insanidade, bem recriada visualmente e aprazível de explorar. Mesmo depois de arrebatados os tesouros podem ocorrer mas perigos. Desde defrontar valentes ursos e piratas nerds, a surpresa acontece na ilha seguinte. A ilha onde o deboche é assinalável chama-se Madlantis. Começou por ser um abrigo de embarcações em fim de vida, que em pouco tempo se transformou num sítio tomado pela máfia e onde ocorrem combates num coliseu.
É por aí que passa o eixo principal da aventura, onde as luzes de neon, a humidade, o ferro fundido e as carcaças dos navios se assemelham a uma montanha russa, a um circo comandado por uma mulher com mãos de ferro. Para se candidatar à batalha no coliseu, a tripulação do Goromajima terá de restaurar o barco, melhorar e aumentar a tripulação. Essa tarefa obriga a deslocarem-se até Honolulu, a cidade onde acontece uma outra parte da aventura. Angariar tripulantes, obter recursos financeiros realizando diferentes actividades, enquanto a embarcação é reparada.
Um grande número de actividades primárias e secundárias
Na cidade, onde é possível viajar de taxi ou avançar numa espécie de segway electrónico, existe uma miríade de missões. Num dado momento da aventura o jogador tem margem para prosseguir os objectivos da forma que pretender. Há imensas distracções: dos mini jogos, aos karts, passando pelas candy cabs japonesas, onde podemos jogar algumas produções arcade da Sega (Daytona 2 regressa com uma outra versão onde o primeiro circuito em forma oval se encontra dentro de uma espécie de redoma), até à entrega de comida como um “Uber eats”. Também existe, novamente, uma Master System na qual podem jogar títulos 8 bit lançados pela Sega para a consola, podendo adquirir mais jogos em loja. O tempo aqui passado, mergulhado na cidade, pode fazer aumentar o tempo total de jogo de forma exponencial. Pelo meio ocorrem batalhas, cuja importância é capital no sentido de fortalecer a personagem e prepará-la para os maiores embates. Podem ser desbloqueados mais golpes e unidades de resistência.

A dada altura é entregue a Goro Majima um gancho pirata, com o qual é possível escalar paredes e chegar a pisos onde se encontram arcas do tesouro, bem como usá-lo em combate, atacando personagens à distância. Em combate, a barra “madness”, quando preenchida, activa um conjunto de fantasmas – deuses fantasmas de Majima – que atacam os rivais. É uma opção útil quando as vagas de inimigos são compostas por um grande número de piratas. No entanto, existem outras opções, como os tais combos aéreos, uma novidade, bem como os contra-ataques, as evasões e as respostas a algum ataque preparado pelo adversário. Algumas batalhas são duras, especialmente quando os adversários estão revestidos de várias camadas de vida. Os combos dependem dos golpes desbloqueados e da eficaz interligação através das combinações de botões. É importante fortalecer a personagem e melhorar os seus atributos.
Já a personalização da caravela é significativa. A começar pela atribuição de funções à tripulação, é essencial melhorar a experiência e subir de nível, o que permite um fortalecimento do barco nos ataques e no confronto com outras embarcações em alto mar. A navegação pode ser rápida e acessível, usando pórticos para uma passagem mais lesta. A tripulação pode ser atingida por fogo adversário, situação que obriga Majima a deixar o leme para recuperar a personagem atordoada pelas bombas do adversário. O sistema de combate é bastante dinâmico. É menos uma simulação e mais refrescante pela componente arcade, o que torna as batalhas intensas, rápidas e divertidas. Quando ocorre a atracagem, a perspectiva cinematográfica antecede o começo de uma batalha entre piratas, com algum capitão pelo meio. O poder da arma de fogo e das espadas duplas é útil para criar um espaço entre os piratas.
Ver Goro Majima transformado, ainda que por um jogo, num capitão pirata de uma caravela, é sinónimo da escala de irreverência atingida pelos produtores da Ryu Ga Gotoku. Nesta abertura aos mares, conjugando épicos combates em pleno mar com a vertente mais dramática e focada na acção de um Like a Dragon, há suficiente matéria para divertir e levar a série por um episódio que tem tanto de cómico como de caótico. É uma aventura mais comedida por comparação com a evolução do ramo principal da série. Mas há tanto a fazer para lá do argumento, com mini jogos e desafios constantes e divertidos, ao ponto de cada viagem pelos mares, caça ao tesouro ou viagem pela cidade, se transformar num desafio surpreendente.
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