O líder espiritual Kleber Aran Ferreira e Silva, 50, autodeclarado médium e um dos líderes do templo do Amor Supremo, foi condenado em primeira instância por crimes sexuais.
Ele foi preso por equipes da Polícia Civil da Bahia neste sábado (9), na sede do templo, no bairro da Pituba, em Salvador. Na ocasião, ele cumpria uma agenda de três dias de atendimentos e tratamentos.
Responsável pela defesa de Kleber Aran, o advogado Cristiano Lázaro Fiuza Figueiredo afirmou que o processo corre em segredo de Justiça e que, por isso, não poderia se manifestar.
Kleber Aran foi condenado a 20 anos e cinco meses de prisão por estupro mediante fraude e estupro de vulnerável – aquele praticado contra pessoa que não pode oferecer resistência. Ele também foi condenado a pagar uma indenização de R$ 50 mil para cada vítima por danos morais.
A sentença foi proferida na última quinta-feira (7) pela Justiça, que determinou a prisão preventiva do condenado. Os nomes das três vítimas, todas de Salvador, foram preservados.
O médium Kleber Aran ganhou notoriedade como dirigente da Associação Sociedade Espírita Brasileira Amor Supremo, na qual se apresentava como médium que incorpora um espírito conhecido como “Dr. Fritz”.
O líder espiritual formou uma comunidade no templo do Amor Supremo na qual centenas de pessoas iam em busca de seus supostos atributos espirituais. Ele se dizia capaz de realizar cirurgias, curas e salvação de carmas.
O Ministério Público do Estado da Bahia instaurou investigação sobre o caso em 2021 a partir de notícias de abusos encaminhadas ao Conselho Nacional do Ministério Público pelo projeto “Justiceiras”, que atua na proteção dos direitos de mulheres e no combate à violência de gênero.
Entre junho e julho de 2020, o grupo recebeu mais de 10 denúncias de supostos abusos cometidos pelo médium. As investigações avançaram no caso de três vítimas, cujas provas eram mais robustas.
“Ele intimidava e se aproveitava da vulnerabilidade das vítimas. Elas enfrentaram uma situação de violência, notaram o que estava acontecendo e pediram ajuda”, afirma a advogada Clicie Carvalho, gestora do Justiceiras.
A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público em abril de 2022. A acusação descreve Aran como uma pessoa com “alto poder de manipulação” e usava rituais para “busca constante da satisfação dos seus desejos libertinos, mediante a subjugação da dignidade sexual de mulheres” que frequentavam o templo.
A Folha teve acesso à sentença que determinou a condenação de Kleber Aran. Além dos depoimentos da vítimas e testemunhas, o conjunto de provas também incluiu áudios e mensagens enviados por Aran às vítimas pelo WhatsApp.
Uma das vítimas relatou ter sofrido abusos entre 2014 e 2018. Ela começou a frequentar o templo em 2013, passando a atuar como voluntária na casa religiosa após convite de Aran.
Os abusos teriam começado em 2014, quando Aran teria passado a assediar a vítima simulando estar incorporado por uma entidade chamada “Rainha”. Ele indicava que a vítima deveria ceder às investidas sexuais sem questionamentos, pois esta deveria fornecer “energia sexual” para que ele pudesse cumprir sua missão
De acordo com o depoimento da vítima, Aran teria se aproveitado da sua fé e admiração para a sujeitar a diversos atos de violência. Ela afirma ter sido obrigada a realizar uma tatuagem como prova de devoção e submissão ao líder religioso.
Em outras oportunidades, Aran teria exigido que ela se submetesse a atos sexuais com ele e outras mulheres sem uso de preservativo. Ela afirma que, mesmo sem desejar, praticava os atos sexuais por acreditar que seriam rituais sagrados.
A segunda vítima teria sido abusada entre 2017 e 2018, época em que ela tinha entre 16 e 18 anos. Ele teria começado a assediá-la alegando que ela seria uma “escolhida” e a convidou para festas nas quais ele incentivava o consumo de álcool, alegando que aquilo lhe traria energia.
Um dia, alegando estar incorporado, Aran teria levado a vítima para um hotel. A vítima afirma ter mantido relações sexuais com ele entendendo que aquilo seria uma obrigação, e que ela seria recompensada espiritualmente.
Meses depois, inconformado com o rompimento, Aran teria feito ameaças de cunho espiritual, afirmando que a mãe da vítima ficaria doente e sua avó morreria.
Os abusos à terceira vítima foram registrados entre 2016 e 2018. A vítima teria buscado a instituição Amor Supremo em 2014, período em que enfrentou uma depressão. Foi convidada para atuar como voluntária por Aran, criando um laço de gratidão e afeto.
Ele teria cometido os abusos sob o mesmo argumento de obter energia espiritual, afirmando estar incorporado por uma entidade, e em um momento no qual a vítima estava embriagada.
Na avaliação do Ministério Público, os depoimentos das três vítimas, somados ao testemunho de pessoas que faziam parte da comunidade, apontam para “uma conduta serial do agressor sexual na abordagem de suas vítimas”.
O líder espiritual teria construído uma atmosfera de confiança, sendo levadas a crer que as investidas do médium eram resultado de supostas necessidades espirituais, criando um ciclo de abusos.