O Havaí é um belo paraíso tropical e também lar de formidáveis predadores rastejantes. Há aranhas que empalam presas no ar e centopéias venenosas que podem atingir quase 38 centímetros de comprimento.
E depois há as lagartas carnívoras, uma raridade evolutiva. E agora cientistas descobriram uma lagarta muito faminta que não apenas come outros insetos —ela se decora com uma macabra mistura de partes do corpo de suas refeições.
Apelidada de colecionadora de ossos, esta lagarta e seu gosto mórbido por moda foram descritos, na quinta-feira (24), na revista Science. “Este comportamento era completamente desconhecido”, disse Daniel Rubinoff, entomologista da Universidade do Havaí em Manoa e um dos autores do estudo. Sua equipe inicialmente comparou as lagartas a cenas de crime ambulantes.
A lagarta colecionadora de ossos é encontrada apenas em uma área de 15 km² de uma única cadeia montanhosa na ilha de Oahu. Lá ela reside exclusivamente em teias de aranha tecidas em troncos e cavidades rochosas. Enquanto as lagartas se esgueiram pelas teias, elas se alimentam de insetos mortos e moribundos e outros artrópodes presos na seda pegajosa.
Segundo David Wagner, entomologista da Universidade de Connecticut que não esteve envolvido no novo estudo, a dependência da lagarta em relação às aranhas apresenta uma das conexões mais improváveis da natureza.
“É notável que uma lagarta vincularia seu destino a uma aranha —um perigo claro e presente tanto para a lagarta quanto para a mariposa”, disse Wagner. Ele conhece apenas outra espécie de mariposa que frequenta teias de aranha. Mas essa espécie é vegetariana e se alimenta de material vegetal preso na teia.
Rubinoff encontrou a lagarta colecionadora de ossos pela primeira vez em 2008, quando examinou uma teia dentro de uma cavidade de árvore. As lagartas são incrivelmente raras. Mais de 150 pesquisas de campo na área renderam apenas 62 espécimes da colecionadora de ossos.
Os cientistas determinaram que a colecionadora de ossos pertence ao Hyposmocoma, um gênero diverso de pequenas espécies de mariposas encontradas apenas no Havaí. Durante seu estágio larval, as lagartas Hyposmocoma tecem casulos protetores de seda que se assemelham a tudo, desde embalagens de doces até charutos.
Como caranguejos-eremitas, essas lagartas carregam seus casulos enquanto se movem, antes de emergirem deles como mariposas adultas. Algumas espécies decoram suas casas móveis com pedaços de madeira, algas e conchas para se misturarem aos seus ambientes.
A lagarta colecionadora de ossos dá um toque macabro à prática. Usando seda, a lagarta tece pedaços dos insetos mortos que encontra na teia da aranha. Os pesquisadores identificaram partes de seis famílias de insetos presas às lagartas, incluindo cabeças de gorgulhos e abdômens de besouros. A lagarta até incorpora pedaços de exoesqueleto liberados de seus vizinhos aracnídeos.
Rubinoff e seus colegas levaram várias colecionadoras de ossos de volta ao laboratório. Eles ficaram surpresos com o quão exigentes as lagartas eram quando se tratava de adornar seus casulos.
“Essas lagartas são capazes de discernir diferenças em objetos em seu ambiente”, disse Rubinoff. As mariposas larvais evitavam outros detritos disponíveis, optando por colher exclusivamente cadáveres de insetos.
Não são quaisquer restos que servem. A lagarta usa suas mandíbulas para girar e sondar cuidadosamente as partes do corpo em potencial. Aquelas que são muito grandes são mastigadas até um tamanho mais confortável.
As lagartas colecionadoras de ossos são menos exigentes quanto à sua dieta. A equipe descobriu que as lagartas em cativeiro comiam qualquer inseto que pudessem capturar —incluindo umas às outras.
No entanto, elas têm que lidar com seus senhorios de oito pernas. A equipe observou lagartas colecionadoras de ossos frequentando as teias de pelo menos quatro espécies de aranhas. A equipe propõe que o traje medonho da lagarta ajuda a disfarçá-las entre os insetos presos na teia. Wagner suspeita que as lagartas também diminuem seu apelo culinário se disfarçando como “montes de lixo” de objetos que as aranhas não devoraram.
A abordagem da colecionadora de ossos parece funcionar —os pesquisadores nunca observaram uma aranha comendo uma colecionadora de ossos ou sendo presa na teia da aranha.
A equipe estudou a genética da colecionadora de ossos e determinou que ela provavelmente divergiu de outras lagartas carnívoras Hyposmocoma há mais de 5 milhões de anos. Isso foi milhões de anos antes de Oahu emergir de baixo do oceano, tornando provável que os ancestrais da colecionadora de ossos vivessem em outras ilhas.
O atual paraíso da colecionadora de ossos pode estar em risco. Embora a lagarta tenha se adaptado para prosperar em teias tecidas por espécies de aranhas não nativas, seu habitat está ameaçado por formigas invasoras e vespas parasitas.
Segundo Rubinoff, atenção à conservação é desesperadamente necessária para salvar os artrópodes endêmicos do Havaí, incluindo as lagartas colecionadora de corpos.