Pouco depois da concepção, um óvulo fertilizado se divide, tornando-se dois. Então, cada uma dessas células se divide, tornando-se quatro, e assim por diante. Com o tempo, essas linhagens de células se tornam distintas, dando origem a todos os diferentes órgãos e tecidos no corpo humano e compreendendo até 36 trilhões de células.
Os cientistas adorariam entender a trajetória de cada uma delas ao longo do tempo. “É algo com que biólogos do desenvolvimento como eu sonham há mais de cem anos”, disse Alex Schier, da Universidade de Basel, na Suíça. Mas o melhor que conseguiram até hoje foi observar algumas células em diferentes estágios.
Sem ter essa história completa, os cientistas ainda têm muito a aprender sobre como exatamente as células produzem nossos órgãos ou como curam feridas. “Só entendemos pedaços”, afirmou a bióloga computacional Tanja Stadler, do ETH em Zurique.
O laboratório de Stadler e outros ao redor do mundo estão tentando transformar as células em suas próprias historiadoras, como ela e seus colegas descreveram no periódico Nature Reviews Genetics nesta segunda-feira (26). As células modificadas podem inserir pedaços distintos de material genético em seu DNA. Conforme elas se dividem, esses pedaços genéticos viram diferentes códigos de barras.
A tecnologia também está permitindo que as células criem um registro genético quando experimentam um evento notável, como receber um sinal de outras células ou produzir uma proteína específica.
Schier citou a possibilidade de que os médicos possam no futuro até mesmo injetar células sentinelas em nossos corpos para rastrear nossa saúde em mudança.
“Estou apostando todas as minhas fichas nessas tecnologias”, afirmou o biólogo Jay Shendure, da Universidade de Washington, pioneiro em sequenciamento de DNA. “É um novo paradigma fundamental para como medimos a biologia ao longo do tempo.”
Ele foi um dos primeiros cientistas a imaginar células que registram a história. Como estudante de pós-graduação em 2000, passou seis meses tentando construir uma célula que pudesse alterar periodicamente um pequeno pedaço de seu próprio DNA. Após seis meses de fracasso, abandonou o projeto.
Na década seguinte, pesquisadores inventaram uma nova e poderosa ferramenta para editar o DNA, chamada Crispr. A tecnologia poderia focar um local específico no genoma de uma célula e então cortar ou inserir novo DNA.
Shendure e seus colegas se propuseram a usar o Crispr para registrar a história de uma célula. Eles modificaram células em peixes-zebra, uma espécie que é fácil de estudar porque seus embriões são transparentes, para que pudessem cortar ou adicionar DNA em uma dúzia de locais em seus genomas.
Depois, os pesquisadores cultivaram embriões de peixe a partir das células. De vez em quando, uma célula alterava aleatoriamente um dos locais. Quando ela se dividia, suas células descendentes herdavam essas cicatrizes genéticas.
Quando os peixes atingiram a idade adulta, os cientistas sequenciaram o DNA deles. Os trechos alterados de DNA agiam como um código de barras, com códigos quase idênticos revelando células que eram intimamente relacionadas.
O biólogo e seus colegas traçaram as relações das células em uma árvore genealógica. Os códigos de barras nas células sanguíneas, por exemplo, indicaram que quase todo o sangue de um peixe surgiu de apenas cinco células progenitoras.
Depois que Shendure e seus colegas publicaram esses resultados em 2016, perceberam que não tinham o monopólio da ideia. “Aconteceu que cerca de dez pessoas tiveram a mesma ideia”, disse ele.
Agora os pesquisadores trabalham juntos para criar uma nova geração de gravadores de células.
No Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), por exemplo, Michael Elowitz e seus colegas desenvolveram um gravador que não exige que os cientistas destruam as células para ler sua história. Em vez disso, podem banhá-las com produtos químicos que as fazem acender se tiverem um determinado código de barras.
Elowitz e outros pesquisadores também estão inventando maneiras para as células registrarem eventos específicos. Uma célula imune pode registrar a detecção de um vírus, por exemplo, ou uma célula da pele, quando produziu pigmentos em resposta à luz solar.
Recentemente, Shendure e seus colegas expandiram o poder dos registradores celulares criando uma “máquina de escrever de DNA”. Depois que uma célula adiciona uma marca ao seu DNA, ela pode adicionar uma nova marca diretamente ao lado da antiga, como teclas digitadas em uma máquina de escrever. Os cientistas criaram dezenas de chaves diferentes, que podem registrar tanto a história de divisão de uma célula quanto muitas de suas experiências.
Até agora, os pesquisadores testaram a máquina de escrever de DNA apenas em aglomerados de células de camundongo em uma placa de Petri. Mas eles estão tentando criar o que chamam de “camundongo gravador”, no qual todas as 10 bilhões de células do animal carregam registros individuais de suas experiências desde a fertilização.
Schier espera que os cientistas consigam usar os camundongos para descobrir algumas das regras do desenvolvimento. “Quantas maneiras existem de fazer um coração?”, ele perguntou. “Espero que encontremos algo novo lá.”