Passou relativamente despercebida no Brasil a morte de Kris Kristofferson, em setembro. No país, ele talvez seja mais conhecido por suas contribuições musicais. Afinal, ele é o compositor de “Me and Bobby McGee”, imortalizada na voz de Janis Joplin. Suas músicas foram interpretadas também por Johnny Cash, Willie Nelson e Elvis Presley (“Help me Make it Through the Night”).
Mas seria absurdo reduzir sua trajetória à música. Kris é filho de um general da Força Aérea dos EUA. Iniciou sua carreira como um acadêmico brilhante, estudando filosofia na Universidade de Oxford, com especialização em literatura inglesa (com ênfase no poeta William Blake).
Quando muita gente esperava que ele se tornaria professor na Inglaterra, ele voltou para os Estados Unidos e se alistou no Exército. Seguiu carreira militar por cinco anos. Foi promovido a capitão e piloto de helicóptero, atuando por anos na Alemanha Ocidental na época da Guerra Fria.
Foi quando ele foi chamado para se tornar professor em West Point, a principal academia militar dos EUA, fundada em 1802. Foi nesse momento que ele não só recusou a oferta mas abandonou de vez a carreira militar. Decidiu se mudar para a cidade de Nashville e se tornar músico do zero.
Não foi fácil. Trabalhou por quatro anos como zelador no estúdio da Columbia Records, para pagar as contas e ficar próximo da indústria musical. Foi só em 1969 que ele conseguiu que Ray Stevens gravasse uma música sua, “Sunday Mornin’ Comin’ Down”. Mas o sucesso veio mesmo quando Johnny Cash gravou a mesma composição em 1970 e tocou a versão no seu programa de TV.
Diz a lenda que, para convencer Cash, ele pegou um helicóptero e pousou no gramado na frente da casa da fazenda do músico no Tennessee, carregando uma fita com a música nas mãos.
A partir daí sua carreira artística deslanchou na música e no cinema. Fez vários filmes, inclusive como protagonista de uma das versões de “Nasce uma Estrela”, em que contracenou com Barbra Streisand no papel que posteriormente seria de Lady Gaga. Ganhou o Globo de Ouro de melhor ator pelo papel.
Mesmo depois do sucesso manteve uma atuação social relevante. Lutou pelos direitos civis nos EUA e pelos direitos dos veteranos. Apesar de sua carreira militar, posicionou-se totalmente contra a Guerra do Vietnã. E nos anos 1980 e 1990 atuou fortemente na questão ambiental. Ele via a proteção ambiental como um desdobramento natural da sua vida.
Corte para 2024. Um modelo de masculinidade que avança politicamente no planeta é a ideia de que o que define um homem no mundo de hoje é sua capacidade de fazer e falar grosserias. A grosseria e o insulto se estabelecem como uma aspiração, especialmente entre homens que cresceram em frente ao computador e ao celular. Isso contrasta com a trajetória de pessoas como Kris Kristofferson (e tantas outras personalidades no Brasil). Sua vida é um lembrete de que não é a grosseria que define um homem. Há valores mais importantes, como coragem e integridade.
Reader
Já era – Instituições capazes de promover coesão social
Já é – Epidemia de solidão como um dos desafios do século
Já vem – Desafio de reconstruir espaços civis reais
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