Um dos patrimônios de São Paulo é seu linguajar. A partir da virada do século 19 para o 20, com a chegada de grandes grupos de imigrantes, a cidade ganhou um modo de falar macarrônico, que misturava o italiano com o português. Nasceu daí o sotaque paulistano, que ainda resiste forte em alguns bairros.
Quem primeiro capturou essa linguagem para a literatura foi Juó Bananére, personagem fundamental da imprensa local e do pré-modernismo brasileiro na década de 1910. Oswald de Andrade se referiu a ele como “um mestre da sátira no Brasil”.
Pseudônimo do escritor, poeta e engenheiro Alexandre Marcondes Machado (1892-1933), Bananére anarquizou a língua e retratou com seus poemas e crônicas a São Paulo provinciana, colonial, se desfazendo e virando uma metrópole acelerada. “Ma che brutta ingonfusó ista Zan Baolo!”, dizia.
Alexandre era natural de Pindamonhangaba (SP). Veio para São Paulo estudar na escola Politécnica, no Bom Retiro, onde se formou. Compunha seu repertório de palavras e expressões inusitadas nas suas andanças pelo Centro. Embora tenha criado uma língua ítalo-brasileira, não tinha antepassados italianos.
Sua carreira na imprensa começa em 1911, quando passa a escrever para a revista “O Pirralho”, de Oswald, de quem ganhou a coluna “As Cartas d’Abax’o Pigues”, referência à ladeira do Piques, hoje da Memória, no vale do Anhangabaú.
É aí que surge o personagem Bananére e também sua caricatura, de autoria de Lemmo Lemmi, o Voltolino, que mostra um italiano atarracado e bigodudo, bem diferente de Alexandre, que era alto e magro.
Bananére usava sua verve para parodiar clássicos da literatura, ironizar medalhões e contar histórias sobre os perrengues dos imigrantes pobres que chegavam e viviam em São Paulo. Era um grande piadista e escrevia de maneira extremamente original.
Um de seus alvos humorísticos era o acadêmico Olavo Bilac, de quem parodiou “No Meio do Caminho”: “Xingué, xingaste! Vigna afatigada i triste I ttiste i afatigada io vigna; Tu tigna a arma povolada di sogno I a arma povolada di sogno io tigna.”
Foi por causa de Bilac também que ele teve sua colaboração para “O Pirralho” interrompida. Depois de escrever dois artigos contra o nacionalismo exacerbado do príncipe dos poetas, teve sua cabeça entregue por Oswald. Seu tom satírico incomodava figuras proeminentes da época, como o prefeito da cidade Washington Luis ou o presidente da República Hermes da Fonseca.
Entre 1911 e 1917 escreveu não só para “O Pirralho”, mas para outras publicações humorísticas, como “O Queixoso” e “A Vespa” e teve grande popularidade. Era assunto de conversas nos salões e considerado um “expoente intelectual”. Seu estilo macarrônico caiu no gosto dos leitores. Em 2015 publicou o livro “La Divina Increnca” e, em 2017, “Galabáro”.
Alexandre antecipou o cantor e compositor Adoniran Barbosa e morreu em 1933, aos 41 anos. Ficou no esquecimento durante décadas. Começou a ser resgatado no final do século passado quando o professor Benedito Antunes lançou o livro “Juó Bananére: As Cartas d’Abax’o Pigues”. Em 2010, veio “Juó Bananére – Irrisor, Irrisório”, livro de Carlos Eduardo Capela, que traz uma análise crítica do personagem.
Há também um documentário sobre o artista: “São Paulo de Juó Bananére”, de João Cláudio de Sena, lançado em 2012, que mostra a transformação da cidade no período em que ele viveu.
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