Um ex-auxiliar do consulado do Brasil em Paris, de 47 anos, ganhou uma ação judicial contra a representação do país na França em que pedia isonomia salarial e o Itamaraty tem se negado a pagar a indenização. O imbróglio com o Ministério das Relações Exteriores teve início em 2015, após a demissão do homem da representação brasileira. A Justiça francesa teria determinado o pagamento de cerca de 320 mil € entre salários atrasados e multa ao autor da ação, o que, pela cotação atual, chega perto de R$ 2 milhões.
A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo e foi confirmada pela Gazeta do Povo com o Ministério das Relações Exteriores. Em 2014, ele descobriu que outros funcionários do consulado, que exerciam as mesmas funções, recebiam € 500 a mais por mês. Contratado pela embaixada como técnico de informática, com um salário de € 2.000 mensais, ele alegou que o valor estava abaixo do que deveria ser pago a quem exercia funções equivalentes, em violação à lei francesa, que exige salários iguais para funções idênticas.
Além da disparidade salarial, o homem também acusou o consulado de desvio de função. Ele alega que, apesar de ter sido contratado para trabalhar como técnico de informática, desempenhou atividades como atendimento ao público e manuseio de passaportes, tarefas fora de seu cargo original. Em meio a essas alegações, o ex-funcionário fundou e presidiu um sindicato de trabalhadores locais das missões diplomáticas brasileiras na França.
A demissão, ocorrida em 2015, foi considerada injusta pelo homem. Já o Itamaraty afirma que o desligamento do funcionário ocorreu por uma “falta grave” após suposta utilização indevida de documentos confidenciais em seu processo judicial contra a pasta. O autor da ação, por outro lado, nega a acusação. À Folha de S. Paulo, ele afirmou que os documentos utilizados eram parte de seu trabalho rotineiro no consulado e foram empregados para provar suas alegações de desvio de função.
O ex-funcionário alega ainda que foi demitido “por questão essencialmente política”, em represália à sua atuação sindical. De acordo com ele, a decisão teria partido ainda da então embaixadora do Brasil na França.
Funcionário ganhou ação, mas Itamaraty se nega a pagar indenização
Em meio ao imbróglio, a Justiça francesa decidiu a favor do ex-funcionário na ação, determinou que ele fosse reintegrado ao consulado e recebesse indenização pelos salários não pagos após sua demissão. Ficou determinado ainda que o governo brasileiro deveria pagar uma multa de aproximadamente € 16 mil ao ex-funcionário, além dos salários atrasados. A decisão é vista como uma derrota para o Itamaraty.
A pasta tentou recorrer ao princípio da imunidade diplomática, que geralmente impede que missões diplomáticas estrangeiras sejam obrigadas a cumprir decisões judiciais locais, mas não o fez a tempo da decisão. De acordo com a Folha, a legislação francesa prevê que para interpor um recurso, o empregador deve primeiro pagar a indenização, o que não foi feito.
Sem o pagamento, o Brasil não pôde apelar da decisão, o que levou o homem a pedir que o caso fosse considerado final, sem mais possibilidade de recurso. A Justiça francesa ainda não se manifestou sobre esse pedido. Procurado pela Gazeta do Povo, o Ministério das Relações Exteriores manteve sua posição e afirmou que a decisão de reintegração é um ataque à soberania do Brasil.
Para o Ministério das Relações Exteriores, a ordem judicial de recontratar o ex-funcionário ultrapassa a esfera trabalhista, violando a inviolabilidade das representações diplomáticas brasileiras no exterior. O governo brasileiro disse que não irá acatar a decisão, argumentando que ela comprometeria a autonomia das missões diplomáticas, um princípio fundamental da diplomacia internacional.
“A respeito do caso mencionado, esclarece-se que o Estado brasileiro não invoca imunidade de jurisdição em matéria trabalhista na relação com seus contratados locais, apesar dos privilégios e imunidades assegurados pelas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) e sobre Relações Consulares (1963). Da mesma forma, reciprocamente, o país não reconhece essa imunidade às missões diplomáticas e repartições consulares acreditadas no Brasil, com base no artigo 114 da Constituição Federal e na jurisprudência consolidada do STF”, informou.
“Em vista de princípios como os da inviolabilidade e da soberania, contemplados nas convenções citadas, o Brasil invocará imunidade de execução sempre que decisão judicial determinar a reincorporação de auxiliar local demitido, bem como qualquer indenização que seja decorrente dessa decisão. Decisões dessa natureza vão além da esfera estritamente trabalhista e atentam contra a soberania e a inviolabilidade das representações brasileiras no exterior, princípios sobre os quais não há hipótese de relativização”, afirmou o Itamaraty em nota.
De acordo com a pasta, a decisão reflete ainda a questões administrativas internas e que não afeta as relações com a França. O caso segue sem uma solução definitiva, com o Brasil resistindo à reintegração de Fazito e a Justiça francesa aguardando a decisão sobre o pedido de trânsito em julgado, que, se aceito, encerraria o processo de vez.