Durante quatro dias, dinheiro público canalizado diretamente dos cofres do governo federal e de patrocínio de empresas estatais e paraestatais financiou uma jornada de ataques ao agronegócio e ao capitalismo, no maior campus da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.
A 21ª Jornada de Agroecologia, realizada no Centro Politécnico da UFPR entre 4 e 8 de dezembro, foi uma festa de ativismo de esquerda. Houve mais de 20 shows, 30 oficinas e conferências como as do frei Leonardo Boff e do líder do MST, João Pedro Stédile. O encontro foi patrocinado pelo Governo Federal, Caixa Econômica Federal, Itaipu Binacional, Correios e Fundação Banco do Brasil.
Ao final do evento, foi aprovada uma carta em tom filosófico e esotérico que defende a agroecologia como “sabedoria ancestral e ciência”.
“Ciência que se faz sábia, ancestralidade que se mutualiza com a ciência. Agroecologia, para nós, é agri-cultura milenar – da germinação das sementes ao convívio com animais. Água. Terra. Seres invisíveis. E tudo mais”, diz trecho da carta.
Agronegócio seria o vilão capitalista
O alvo preferido dos signatários da carta da 21ª Jornada de Agroecologia, contudo, foi mesmo o agronegócio. Setor responsável por um quarto do PIB brasileiro e que no último ano gerou um superávit de US$ 148 bilhões no comércio exterior. “O agronegócio é o modelo da morte, seu poder está fixado nas entranhas das elites brasileiras, como mostra sua força no Congresso Nacional, aprovando projetos de lei de retrocesso, como o marco temporal, flexibilização do licenciamento ambiental, e a aprovação do Pacote do Veneno”, diz um trecho que ataca o “modelo agroalimentar capitalista”.
“Ao envenenar nossos corpos, nossos solos, águas e mentes; alteram e desequilibram a natureza, geram doenças físicas e mentais nos corpos. Vendem falsas soluções, como a agricultura climaticamente inteligente, geoengenharia climática, capitalismo verde, energias ‘sustentáveis’, créditos de carbono, créditos da biodiversidade, cada vez mais liberação de novas culturas transgênicas, como o trigo, feijão e arroz, que são ao fim e ao cabo novas formas de colonialismo com soluções supostamente universais, excluindo a diversidade, aprofundando as desigualdades, violências e as injustiças ambientais e climáticas”, segue a carta.
Em outro trecho, a carta dos agroecologistas mistura atividade econômica com bandeiras progressistas e identitárias. A luta é pela “superação das relações de opressão de gênero, raça, classe, contra pessoas LGBTQIAPN+), e por corpos e territórios livres e saudáveis”.
Agroecologia, um termo que carece de definição
O termo “agroecologia”, abraçado pelos sete mil participantes do encontro, carece de uma definição objetiva. Quem observa esse detalhe é um funcionário público federal, do setor agropecuário, que preferiu não se identificar para evitar represálias.
“Parece muito mais algum tipo de seita religiosa, tal a profusão de palavras ou expressões que sugerem ‘pregações’ de algum visionário ou algo assim. O ponto central é bem simples e direto: o que é, exatamente, agroecologia? Há alguma definição aplicável? É bom lembrar que existe uma lei nacional de agroecologia e produção orgânica que, estranhamente, sequer define o que seria agroecologia”, destaca.
A carta da jornada agroecológica, que reuniu 250 feirantes ligados em grande parte às cooperativas da reforma agrária, defende financiamentos e incentivos para que “agricultores e agricultoras caminhem para a transição agroecológica”.
Não fica claro, contudo, que tecnologia seria implantada em lugar da agricultura moderna que, atualmente, comanda a economia agropecuária do país. “O que, de fato, significa a transição ecológica? Seria apenas deixar de usar agroquímicos? Ou deixar de usar tratores? Se o Governo resolvesse apoiar totalmente o que se propõe, o que recomendaria aos produtores rurais como tecnologia de produção?”, questiona fonte ouvida pela Gazeta.
Crítica ao “pensamento mágico” da esquerda agrária
“Entre os participantes do evento, sem nenhuma dúvida, ninguém teria nada a dizer, exceto as platitudes usuais, como ‘usar sementes crioulas’ e coisas que tais, como se isso garantisse a renda das famílias rurais e, sobretudo, a alimentação que a sociedade espera receber do campo”, acrescenta.
“Tudo isso é apenas ‘pensamento mágico’ de uma esquerda agrária que foi se perdendo em meio a tantos delírios e fantasias. O campo brasileiro está se esvaziando rapidamente, como sabemos e, em meio a esses processos sociais, setores radicalizados à esquerda, mas urbanos e sem relações reais com a vida rural, pregam tais maluquices. São as coisas do nosso Brasil, um país que se delicia com absurdos como esse”, conclui.
O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), diretor de política agrícola da Frente Parlamentar da Agropecuária, solicitou à Comissão de Agricultura da Câmara o encaminhamento de pedido de informações ao Ministério da Fazenda sobre os patrocínios ao evento ligado ao MST, por parte do Governo Federal e de empresas públicas.
Para o parlamentar, o apoio a grupos dedicados a atacar o agronegócio e o direito à propriedade “mostra claramente um descompromisso do governo Lula com o agro”.
“Quando instituições federais financiam e patrocinam eventos dessa natureza, eles dizem oficialmente que essa é a voz e a vontade política do governo”, sublinha.
O que dizem os patrocinadores
A reportagem enviou pedido de informações aos principais patrocinadores do evento. Até a publicação, Secretaria de Comunicação do Governo Federal, Itaipu Binacional e Fundação Banco do Brasil não responderam aos questionamentos.
A assessoria dos Correios informou que o patrocínio à 21ª Jornada de Agroecologia foi de R$ 150 mil. O pagamento foi feito à Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná, ligada ao MST. A justificativa é de que “todas as empresas do Brasil e do mundo que atuam em mercado concorrencial investem em patrocínio e os Correios atuam no segmento concorrencial de logística e encomendas”. A nota diz que o contrato seguiu “contrapartidas de imagem, negociais, sociais e ambientais, na proporção do valor investido, submetidos a metodologia de precificação específica e normatizada”.
“Indo na contramão do que todas as empresas fazem, o governo anterior cortou ações de publicidade e patrocínio e a falta de visibilidade da marca Correios no mercado trouxe perda de clientes e grande impacto na receita da estatal, um problema herdado pela atual gestão e que está sendo corrigido”, conclui a nota dos Correios, acrescentando que as diretivas sobre patrocínio estão publicadas no site.
Caixa: patrocínio foi oportunidade na área de habitação
Quanto ao patrocínio da Caixa Econômica Federal, a assessoria informou que o valor repassado aos agroecologistas foi de R$ 70 mil. “O evento é importante por fortalecer o relacionamento do banco com universidades, instituições governamentais, organizações da sociedade civil, movimentos sociais ligados ao campo, ambientalistas, líderes comunitários, entre outros, promovendo um diálogo construtivo sobre os desafios e avanços no desenvolvimento rural e urbano”, diz nota da CEF.
Ainda segundo a nota, o patrocínio representou “oportunidade para a CAIXA aprofundar e dar visibilidade às discussões sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e fortalecer a atuação do Trabalho Social no âmbito da habitação”.