Além de já ter superado o patamar de mortes causadas por policiais anterior às câmeras corporais em fardas, a violência policial em São Paulo sob o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) também tem deixado marcas do seu aumento em apurações da própria Polícia Militar de homicídios cometidos por agentes.
Levantamento de inquéritos policiais militares (IPM) que chegaram ao Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo com dados dos últimos cinco anos mostra um salto de 80% no número desses procedimentos em 2023. A comparação dos dados primeiro ano da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), com 332 inquéritos, mostra essa alta ante 185 apurações em 2022, último ano do governo João Doria e Rodrigo Garcia (PSDB).
Já neste ano, o segundo com o capitão reformado da PM e ex-integrante da Rota Guilherme Derrite (PL) na chefia da SSP (Secretaria da Segurança Pública), foram 547 procedimentos encaminhados à Justiça Militar de SP até 5 de dezembro.
Assim como os inquéritos policiais a cargo da Polícia Civil, que também vão investigar os homicídios, os IPMs são a primeira etapa de apuração da PM sobre a conduta do agente após a ocorrência de uma morte. Os militares também conduzem exames periciais, interrogatórios, depoimentos, acareações e reconstituições.
A marca mais alta nos últimos cinco anos ocorreu sob a gestão João Doria, em 2020, com 615 dessas apurações militares relacionadas a homicídios recebidas pela Justiça Militar.
Procurada sobre a alta nos inquéritos, a SSP afirmou à Folha que as apurações das polícias Civil e Militar são acompanhadas pelas corregedorias dos órgãos, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.
“As polícias do estado não compactuam com desvios de conduta de seus agentes, punindo exemplarmente àqueles que infringem a lei e desobedecem aos estritos protocolos estabelecidos pelas instituições”. Conforme a pasta, desde janeiro passado mais de 280 policiais foram demitidos e expulsos, enquanto um total de 414 agentes foram presos.
Após a investigação, os IPMs, com um relatório sobre absolvição ou denúncia, são encaminhados ao tribunal para análise de integrantes do Ministério Público que atuam na Justiça Militar estadual. Os promotores podem pedir ao juiz o arquivamento ou o seguimento da denúncia. No segundo caso, com a anuência do juiz, a ação penal militar começa a tramitar.
Crimes dolosos contra a vida, como é o caso do homicídio doloso (quando há intenção de matar), devem ser remetidos à Justiça comum. As pessoas denunciadas, se chegam a ser julgadas, vão ao Tribunal do Júri, que é o responsável por julgar crime contra a vida no país.
Na Justiça comum, o juiz pode decidir pela impronúncia (conclusão de que não há indícios suficientes para análise pelo júri), desclassificar o crime (dizer que não há dolo, por exemplo), ou absolver o réu sumariamente. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o seguimento do caso para o júri ocorre quando o magistrado decide pronunciar o réu.
Em 2023 e 2024, os dois primeiros da gestão Tarcísio, os inquéritos remetidos à Justiça comum foram, respectivamente, 281 e 404 —parcelas de 84,6% e 73,9% do total de apurações que chegaram ao Tribunal de Justiça Militar paulista neste ano.
Já os arquivamentos foram 34 e 20 no ano passado e neste ano, representando 10,2% e 3,7%, respectivamente, dos inquéritos que começaram a tramitar em cada ano.
Na comparação com o período do governo Doria e Garcia, a taxa de envio dos IPMs à Justiça comum caiu durante a gestão Tarcísio, embora o número absoluto desses procedimentos tenha aumentado. Em 2020 e 2021, 9 de cada 10 inquéritos recebidos foram despachados. Houve queda para 79,5% em 2022.
Apesar disso, a taxa de inquéritos arquivados de 2020 a 2022 foi, respectivamente, de 5,2%, 8% e 17,3% —mais altas durante os governos Doria e Garcia.
O caminho dos IPMs, que podem ou não virar ação penal militar, até o Tribunal do Júri, pode começar com um pedido de denúncia direto do Ministério Público que é aceito pelo juiz militar. Mas mesmo se a promotoria pedir o arquivamento, o juiz ainda pode decidir, se considerar que há indícios suficientes para uma denúncia, enviar o processo à Procuradoria-Geral do Estado para uma nova análise e, eventualmente, um novo oferecimento de ação penal.
Segundo o Código de Processo Penal Militar, os inquéritos devem ser concluídos em 20 dias, se o indiciado está preso, ou 40 dias, com a possibilidade de prorrogação por mais 2 dias, se está solto.