As parcerias limitadas entre as universidades do Brasil, reconhecidas pela qualidade na produção científica, e o setor privado são um entrave para a inovação da indústria no país. Com frequência, empresas relatam dificuldades de interlocução, mesmo dispondo de recursos para dar escala na sociedade às descobertas acadêmicas.
A análise foi tema comum entre os participantes do segundo painel do seminário Política Industrial para o Brasil, realizado pela Folha, na terça-feira (26), com o apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O colunista do jornal Vinicius Torres Freire mediou o debate.
“Há uma questão muito arraigada na nossa universidade que é ver o capital como inimigo”, afirma Martha Penna, vice-presidente de inovação da Eurofarma. A executiva da multinacional farmacêutica observa que os centros de pesquisa parecem relutantes, quase envergonhados, de ter colaborações com o mundo empresarial.
Para ilustrar, Martha Penna menciona a dificuldade em firmar um contrato com a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde a empresa identificou pesquisas promissoras com algumas moléculas. Segundo a executiva, levou dois anos para haver a formalização de um acordo.
Nesse cenário, esforços de cientistas acabam se limitando à publicação de artigos, conhecidos como papers. “Se o pesquisador da BioNTech, uma startup saída de uma universidade alemã, tivesse ficado só no paper sobre o RNA mensageiro, não teríamos a vacina contra a Covid“, afirma, destacando o investimento da farmacêutica Pfizer.
Para Telmo Ghiorzi, presidente-executivo da Abespetro (Associação Brasileira de Empresas de Bens e Serviços de Petróleo), esse gargalo de integração remonta a uma tese, que, segundo ele, está superada desde a década de 1970. A ideia de que a inovação seria um processo linear, automático e impulsionado apenas pela oferta.
“Hoje, o Brasil está contaminado pelo raciocínio de que basta investir mais dinheiro nas universidades, e elas, por conta própria, realizarão seus estudos, pesquisas e papers, gerando inovação em algum momento. Isso nunca funcionou em nenhum lugar do mundo, mas o país insiste nessa abordagem”, afirma.
A alternativa, segundo Ghiorzi, é que ambos os atores trabalhem em conjunto para resolver problemas —políticos, econômicos e sociais—, e não que o pesquisador se veja limitado a estudos motivados apenas por curiosidade pessoal. “Ninguém começa um doutorado na Europa sem que isso ajude tal empresa em tal questão”, compara.
Martha Penna também ressalta a importância de promover a integração por meio da busca por subsídios, como acontece em instituições como Harvard, MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês) e o Instituto Weizmann de Ciência, em Israel.
Nesses centros, os cientistas recebem incentivos da universidade para criar empresas e são direcionados a captar recursos para complementar a sustentabilidade de seus laboratórios, com royalties de pesquisas já realizadas ou investimentos privados.
Telmo Ghiorzi reconhece o plano Nova Indústria Brasil (NIB), lançado em janeiro, como um dos mais bem estruturados que o país já fez, mas critica a falta de ênfase em exportação. Segundo ele, exportar deveria ser central na política industrial, ao passo que o plano ainda carrega resquícios da lógica de substituição de importações.
Para Thomas Victor Conti, professor do Insper e do Instituto de Direito Público (IDP), a inserção em cadeias globais de valor é fundamental, sendo inviável a substituição completa de importações. Prática que nem mesmo potências como a China ou os Estados Unidos conseguem implementar na maior parte de seus setores.
Além disso, a exportação desempenha papel estratégico no longo prazo, já que comprova a viabilidade de um produto ao demonstrar que é competitivo o suficiente para superar custos adicionais e alcançar mercados mais amplos. “Se a ideia é boa, o público dela é o mundo. E aí não é 1% ou 2% da taxa de juros que vai fazer uma ideia boa morrer ao nascer”, afirma.
Com foco na redução de emissões de gases de efeito estufa, bioeconomia e transição energética, a NIB prioriza o financiamento de soluções tecnológicas para energia limpa. Ghiorzi avalia, entretanto, que o plano deveria ir além e incentivar o Brasil a se posicionar como exportador de equipamentos e produtos para a transição energética.
Ele alerta para o risco de repetir ciclos históricos caso o país avance na produção de hidrogênio verde, por exemplo, sem exportar outras tecnologias. “Daqui a cinco anos vai ser mais uma commodity, e estaremos reproduzindo o que o país já fez com pau-brasil, borracha, cana-de-açúcar, café, soja, ferro“, diz, considerando isso uma falha conceitual do plano.