Uma aventura contra as forças do eixo, repleta de momentos de forte intensidade emocional e na qual mecânicas de diferente índole alternam e se conjugam num tributo de relevo às aventuras cinematográficas de Indiana Jones.
Indiana Jones and the Great Circle acabou de chegar ao PC e às consolas Xbox Series S/X. Não é fácil pegar nas aventuras de Indiana Jones e levá-las por um determinado caminho, especialmente quando se trata de um novo jogo da série. O peso da história é grande, ainda que o nome aguçe o apetite. Os dois últimos filmes revelaram-se divisivos, e nos jogos, podendo encontrar-se algum espólio, não sobejam grandes referências após aturadas escavações.
Curiosamente, nesta indústria dos jogos na qual várias artes confluem, desde cinema à música, passando pela literatura fantástica e pelos comics, várias séries despontaram tendo precisamente as aventuras do famoso arqueólogo Dr. Jones na sua mira. É o caso de, entre algumas das mais emblemáticas, Tomb Raider e Uncharted. Nos seus múltiplos desenvolvimentos estas séries medem igualmente forças nesse desidérito universal, de heróis à procura de sinais de imortalidade entre vestígios de civilizações vencidas e cobertas pelo tempo, de objectos redentores, inequívocos produtos de uma superioridade científica capaz de vencer fronteiras e de, ao tempo da descoberta, transformar mitos em realidade.
Indiana Jones mostrou-nos que nestas aventuras há exércitos que dão tudo por um cálice sagrado. Há vilões e um herói no mesmo caminho que chegados ao ponto entre a vida e o artefacto, o herói escolhe a primeira. O que move Jones é chegar perto, tocar na peça, saber que o que está escrito nos livros não é mito mas uma realidade que opera diante de si e grava na sua memória, enquanto que o exército de um reino para mil anos sucumbe nessa procura, não é eleito na assimilação. Spielberg deu-nos esse fascínio da abertura da arca do tesouro, entre nuvens de pó e ossadas em repouso, abriu horizontes na forma de aventuras até aos locais mais remotos do planeta, cruzando a exuberância de recantos do mundo com o instinto de sobrevivência e de uma boa cena de pancadaria a soco.
Privilégio da exploração sobre a acção
Produção anunciada em 2021, com edição da Bethesda e desenvolvimento a cargo da MachineGames, pesou nesta escolha e na aquisição da licença com a Lucasfilm Games, o histórico do estúdio na programação da série Wolfenstein, que vive precisamente do mesmo oponente do arqueólogo, o exército nazi. Mas há em Great Circle o predomínio da aventura, da viagem e do périplo, bem mais do que mero poder de fogo. É por isso o jogo que sem fugir à mais marcante influência, sem deixar de beber da fonte original e do seu catálogo maior, designadamente a imagem célebre de Harrison Ford e as músicas de John Williams, se materializa incorporando elementos de exploração, confronto e espionagem.
Para os jogadores “habitués” em Wolfenstein, não é um corpo estranho este Indiana Jones. Sob a sua pele forma-se uma estrutura com óptimas fundações. A base de outros jogos trabalhados pela MachineGames serve aqui de combustível a algo mais do que um jogo de combate e sobrevivência. Indiana Jones and the Great Circle é dinâmico e versátil, ao ponto de introduzir sequências cinematográficas baseadas em “quick time events” e ao mesmo tempo demorar o jogador a explorar mundos abertos de apreciável dimensão, na peugada de puzzles, enigmas e passando por nazis em apertado serviço de segurança e vigia. No fundo, tudo o que é de mais assinalável em Indiana Jones é encontrado neste jogo, mas também serve de pretexto para algo mais, vincando arestas e mergulhando nessas forças do oculto que gravitam em torno dos artefactos. O que move Jones é o fascínio pela arqueologia.
Indiana Jones and the Great Circle situa-se entre os dois primeiros filmes (Lost Ark e Last Crusade). Remete-nos para um cenário mundial pré Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1937. Tudo começa, no entanto, com um roubo do museu do Marshall College, onde Jones é investigador e docente. Após um primeiro confronto violento com um gigante algo enigmático, descobre que para trás ficou um medalhão, um artefacto que leva Jones a viajar para o Vaticano, essa cidade repleta de construções e edifícios interligados entre si. É o primeiro espaço verdadeiramente central nesta aventura. Funciona como um pequeno mundo aberto onde decorrem as primeiras missões principais e secundárias.
Um périplo mundial com as forças do Eixo em avanço
É também no Vaticano que o Jones explorador, furtivo, investigador e até combatente é colocado à prova. Nesta altura, os camisas negras liderados por Mussolini ocupam quase todo o espaço, e nem mesmo um disfarce de pároco desvia o sobressalto causado por esta estranha personagem. À medida que Jones penetra a fundo na aventura e vai deslindando os sucessivos mistérios, obstáculos e missões, seguem-se as viagens. A primeira decorre numa viagem de Zeppelin até o Egipto, numa grande área em torno das pirámides de Guizé. O périplo prolonga-se ainda por outras passagens marcantes, ainda que mais reduzidas na sua extensão. Não menos memoráveis no entanto. Aliás, são alvo de momentos mais cinematográfico, pontuados por “quick time events”. A subida aos Himalaias, a passagem por Shangai no momento em que os japoneses atacam a ilha. Nessa sequência há um momento em que Jones salta da sua aeronave para um caça japonês, em pleno voo. Não faltam por isso momentos de maior intensidade cinematográfica. A parte final, retoma a exploração, os puzzles e a actividade furtiva no exuberante território tailandês, onde a humidade é frequente.
No meio destes sobressaltos e constantes trepidações narrativa, está o exército nazi, acompanhado pelos camisas negras de Mussolini e os soldados imperiais japoneses. Desta aliança do eixo, emerge Voss, um arqueólogo alemão nazi, temível pela persuasão com que se investe contra os superiores militares ao serviço de Hitler para levar de avante os seus intentos. Ele é um temível explorador, corpulento e intelectualmente investido. É com ele que Jones travará uma das maiores batalhas, na posse por esse Great Circle.
Em pleno terreno, em qualquer uma das várias áreas em mundo aberto, Jones é levado a seguir pistas e indicações de outras personagens. Os pontos estão assinalados no mapa, mas existem guardas e patrulhas pelo caminho que urge evitar, passando por elas sem ser detectado. Esse é um dos objectivos imediatos. No fundo, Jones pode usar as armas de fogo, retirar uma metralhadora ou uma espingarda das mãos de um soldado nazi, mas se fizer um disparo atrairá a atenção de outros guardas e será facilmente alvejado. Em alternativa, eliminar um ou outro soldado, de forma sub-reptíca, usando algum objecto de metal, é útil e não faz soar os alarmes. Este é um Jones que se quer jogado fazendo uso das mecânicas furtivas. Haverá momentos, no entanto, nos quais é necessário recorrer ao uso do chicote para atordoar os rivais antes de aplicar uns socos valentes.
Grande quantidade de coleccionáveis e notas
A investigação e exploração são cruciais. Jones é um investigador e arqueólogo e todas as informações recolhidas são relevantes e melhoram a sua experiência. De facto, existe um número máximo de notas a recolher dentro de cada área. Muitas dessas informações estão espalhadas por várias zonas. Algumas notas são facilmente encontradas, outras são de mais difícil obtenção. A dada altura Jones adquire uma máquina fotográfica, com a qual poderá resolver puzzles e recolher provas de elementos importantes (surge um icone a pedir a fotografia). Todo este trabalho que pode ser exaustivo, de recolha de notas, é premiado com pontos de experiência que podem depois ser trocados pela melhoria dos atributos físicos, da resistência da personagem e da rapidez com que recarrega uma arma. Não é um sistema de “Level up” muito intricado mas que revela a importância de observação e exploração das áreas. O jogo vive e respira dessas pausas.
Também há momentos, no entanto, para exploração mais directa e linear. Normalmente isso acontece dentro das missões, como nas catacumbas das pirâmides ou dentro de algumas escavações e expedições patrocinadas pelos nazis. A opção pela perspctiva na primeira pessoa favorece a observação por maior imediatismo face aos objectos e redondezas. Porém, há situações em que vemos Jones na terceira pessoa, como quando atira o chicote e o usa como corda para chegar a uma plataforma longe, saltar, subir e descer. Aí a perspectiva muda para a terceira pessoa. E também acontece quando cumprimos uma missão e imediatamente começa a sequência cinematográfica, deixando ver o herói à nossa frente. O uso da perspectiva na primeira pessoa e as transições para uma terceira resultam bem.
Realce para a boa qualidade das sequências cinematográficas, com uma sincronização labial acertada, especialmente quando assistimos às sequências com Voss e a sua forte dicção em alemão. Estas sequências ajustam-se bem e estão povoadas de momentos marcantes, resultando em momentos previsíveis e noutros onde a tensão do confronto é maior. Por vezes o jogador é chamado a operar em fracções de segundos, noutros terá sequências lineares para executar várias acções. Ao longo da aventura Jones irá descobrir outras personagens e até interagir com elas. É o caso da jornalista italiana Gina Lombardi que Jones encontra no Vaticano, seduzida pelo caso das pedras do Great Circle. Chega a existir entre os dois uma insinuação de romance, mas nisto Jones acaba por ser Jones, pelo que é fácil antever o desfecho entre ambos.
Haverá momentos em que os dois partilham as missões e procuram com a cooperação um do outro resolver enigmas e segredos das câmaras.
Jones também ajuda Gina a atravessar plataformas e ela dá-lhe dicas na resolução dos puzzles. Há enigmas de várias formas. Desde rodar estátuas, alinhar luzes nos espelhos, até decifrar um código de uma máquina nazi, há todo um conjunto de enigmas a resolver. A sua dificuldade situa-se entre o moderado e o alto. A máquina de códigos nazi tornou-se algo complexa, não pela sua dificuldade em encaixar as peças mas por levar algum tempo até me dar conta do seu funcionamento em código. No entanto, na maioria as sequências de exploração e pausa para puzzles são bastante dinâmicas, alternam e criam uma transmissão de corrente bastante aprazível.
Exploração e cooperação a dois
Os maiores reparos a fazer situam-se claramente no campo da inteligência artificial. Nas sequências com Gina ao nosso lado, por vezes ela entra em certas salas onde existem soldados e guardas que claramente não a encontram, mesmo que ela chegue a passar diante do nariz deles. Existem avisos gráficos e sonoros para quando Jones é visto por um guarda (há um medidor que se preenche quando estamos sob o seu alvo até que o guarda dá o alarme aos outros colegas), pelo que podemos passar incautos mesmo quando um vigilante se dá conta de algum barulho ou relance de pessoa. Só que com Gina este modelo de detecção não é aplicado. Acredito que o oposto poderia roçar o frustrante. Há áreas infestadas de guardas, onde é necessário puxar pelo cérebro para encontrar o melhor caminho, usando objectos para distraír os guardas e levá-los a sair daquele posto.
Por outro lado, ainda são frequentes alguns “glitches” e “bugs”. Como pernas que trespassam corpos ou buracos por onde devia cair Jones mas que de alguma forma não cai, até situações que parece que encravam e a acção não progride. Alguma instabilidade em frame rate é perceptível em certas situações. Ainda há arestas que podem ser limadas nos próximos tempos de modo a proporcionar uma experiência sem estes pequenos erros.
Pela positiva destaque para a voz de Jones, pela pessoa de Troy Baker. É uma pena que a personagem lendária não tenha a voz do próprio Harrison Ford, mas estando ele com oitenta anos e com a voz mais rouca e envelhecida poderia destoar daquela pessoa jovial e enérgica. Além disso, Troy Baker faz uma representação impecável e embora sejam perceptíveis as diferenças, há momentos nos quais se assemelha bastante. De resto, o rosto e aspecto de Jones são tal e qual o conhecemos nos dois primeiros filmes. As músicas de John Williams foram novamente reinterpretadas e adaptam-se aos vários momentos da aventura. Tendo esta por single player o cunho marcante, vai para lá das vinte horas. Poderão até passar as missões secundárias, mas pelo menos duas são obrigatórias se quiserem recolher fundos financeiros para a compra da máquina fotográfica e depois do aparelho que permite obter oxigénio dentro da água. A fim de completarem o jogo na sua totalidade vão gastar ainda algumas dezenas de horas.
Indiana Jones and the Great Circle é muito daquilo que mais gostamos num videojogo e dificilmente desapontará os fãs da série. O que é de mais palpável por via dos filmes e da imagem de Indiana, das suas aventuras, enigmas, antros majestosos e uma devoção extrema por artefactos oriundos de civilizações perdidas e superiores, está tudo representado. Mas ao mesmo tempo existem novos protagonistas e um desenvolvimento da trama que nos leva a um capítulo igualmente marcante e ao nível da filmografia da série. Os conceitos e mecânicas, com foque na exploração e actuação furtiva, mesmo com alguns problemas desta, funcionam bem e todo o tempo gasto a resolver enigmas é devolvido na forma de sequências cinematográficas que nos levam ao melhor das aventuras de Jones. Beber da fonte do original tem as suas vantagens e esse potencial foi aproveitado da melhor forma com uma aventura digna do seu herói.
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