O acordo sobre o financiamento de US$ 300 bilhões ao ano para ações climáticas no mundo em desenvolvimento, extraído na madrugada de domingo (noite de sábado, no Brasil) no Azerbaijão, ficou longe de ser aplaudido até mesmo por seus signatários. A Índia foi uma das primeiras nações a objetar o resultado das negociações da COP29 (29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática).
“Eu lamento dizer que este documento não é mais do que uma ilusão de ótica. Isto, na nossa opinião, não resolverá os enormes desafios que enfrentamos”, afirmou a principal negociadora indiana na conferência, Chandni Raina, da tribuna da COP29. “Portanto, nos opomos à adoção deste documento”, completou.
O bloco dos 45 países menos desenvolvidos criticou a “falta de ambição” do documento. Neste sábado, o grupo chegou a abandonar as negociações, junto com os países insulares, sob o argumento de terem suas demandas desrespeitosamente ignoradas.
“Este objetivo não é o que esperávamos conseguir. Depois de anos de discussões, não é ambicioso para nós”, disse Evans Njewa, diplomata do Malauí e chefe do bloco.
A COP29 terminou em Baku, depois do previsto, com a assinatura de um acordo possível. Depois de rodadas sem sucesso nos últimos dias, chegou-se a um consenso sobre o financiamento anual de R$ 300 bilhões. A rigor, trata-se do triplo do montante definido para o período de 2020 a 2025 —que nem mesmo chegou a ser cumprido pelas nações desenvolvidas e acabou distorcido até mesmo em empréstimos a preços de mercado.
Mas a cifra ficou bem aquém da recomendado por instituições de pesquisas e pela própria Organização das Nações Unidas e demandada pelos países em desenvolvimento, em torno de US$ 1,3 trilhão ao ano.
Outro descompasso do texto foi observado na diluição da responsabilidade integral dos países desenvolvidos em aportar tais recursos, como preveem o documento da Rio92 e o Acordo de Paris. O valor poderá ser preenchido pelo setor privado e outras instâncias nem sequer nomeadas.
“Não é o momento de dar a volta da vitória”, resumiu o chefe do organismo da ONU para o clima, Simon Stiell. “Nenhum país conseguiu o que queria, e deixamos Baku com uma montanha de trabalho por fazer”, afirmou.
Stiell, entretanto, mostrou-se conformado com o fato de um acordo ter saído em Baku.Em seu ponto de vista, vai permitir o crescimento da energia limpa e proteger bilhões de vidas. “Mas, como qualquer apólice de seguro, só funcionará se os prêmios forem pagos integralmente e em dia.”
O resultado da conferência de Baku irritou também as organizações ambientalistas. Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, afirmou que a presidência azeri da COP29 foi “desastrosa”. “Perdeu apenas para o conteúdo do texto aprovado, que é absolutamente insuficiente para qualquer solução da crise climática.”
Para Astrini, o desfecho escancarou a fuga dos países ricos fogem de suas responsabilidades, em especial no financiamento climático. “A COP30, sob a liderança do Brasil [em 2025], terá de ser muito competente e dedicada para preencher as lacunas deixadas por esta conferência, promover o avanço de ambição e manter o objetivo de 1.5ºC”, afirmou, referindo-se ao aumento máximo tolerável da temperatura média global, em relação aos parâmetros pré-industriais.
COP30
Para a WWF-Brasil, uma das principais organizações ambientais do mundo, a COP29 deixou como principal legado, além da quantia insuficiente, a necessidade urgente de fortalecer o multilateralismo. “A confiança é a matéria-prima da política internacional e fator crucial para se alcançar resultados positivos”, afirmou em nota.
“A COP30, portanto, é a chance que os países desenvolvidos têm de mostrar seu real comprometimento com o enfrentamento da crise climática”, completou, referindo-se à conferência a ser capitaneada pelo Brasil em Belém (PA) em 2025.
Na mesma linha, o Greenpeace Brasil mostrou-se contrariado com o valor de financiamento climático, aquém das necessidades dos países em desenvolvimento, definido em um processo “conturbado e pouco transparente”. “A rota para Belém será difícil, mas temos confiança na liderança brasileira para entregar um resultado que contribua para a justiça climática global.
Pouco antes do anúncio do acordo, a ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, afirmara em entrevista à imprensa que as negociações traduziram-se em uma “experiência dolorosa”. Naquele momento, insistiu que o nível de financiamento climático a ser acertado em Baku deveria ser coerente com o compromisso de não permitir a elevação da temperatura média do planeta além de 1,5ºC, em comparação com a registrada no período pré-industrial.
Também explicou que o valor teria de estar alinhado com o desafio da COP30, em Belém (PA) em 2005, quando os países da ONU terão de apresentar compromissos mais ambiciosos de redução de suas emissões de gases do efeito estufa.
A secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, foi além ao levantar dúvidas sobre os resultados a serem aferidos em Belém, dado o quadro geopolítico de 2025. Sobretudo, depois da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, em janeiro.
Embora a posição do Brasil sobre o resultado da COP29 não tenha sido expressa oficialmente, tudo indica que fechar o acordo em Baku, mesmo com uma cifra inexpressiva, foi considerada melhor opção do que arrastar as discussões indefinidamente.