O Incor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas de São Paulo desenvolveu um aplicativo com inteligência artificial para monitorar e identificar arritmias de forma precoce. A condição pode acometer 1 em 4 pessoas ao longo da vida, segundo a Sobrac (Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas).
A arritmia cardíaca é uma alteração no ritmo normal do coração, que pode bater mais rápido (taquicardia), mais devagar (bradicardia) ou de forma irregular. Se não diagnosticada precocemente e tratada, a condição pode levar à morte. Em 2023 e 2024, foram 3.942 e 2.463 óbitos registrados no país, respectivamente, segundo o Ministério da Saúde.
Segundo o Incor, o aplicativo desenvolvido, chamado Trada (Telemonitoramento Remoto Assistido de Arritmia), é o único no mundo que monitora em tempo real, por 30 dias, o impulso elétrico do coração e identifica quando há risco de o paciente desenvolver uma arritmia. Criada em parceria com a empresa de tecnologia Lenovo, a plataforma é conectada a dois sensores externos ligados ao paciente.
Identificado o risco de arritmia, o aplicativo manda um sinal para a equipe responsável pelo paciente. Em alguns casos, é possível contornar a complicação de casa mesmo, com ajuste de medicamento a partir de uma teleconsulta, por exemplo. Em outros, é necessário ir até o pronto-socorro ou unidade de saúde mais próxima.
Segundo o Incor, desde 2023, mais de 240 pessoas atendidas na instituição usaram a plataforma e conseguiram evitar uma sequela grave, como AVC (Acidente Vascular Cerebral), infarto e até mesmo a morte.
“Algumas dessas arritmias são muito perigosas. Uma delas é a fibrilação atrial, que é quando o coração bate num ritmo descontrolado. Ele não está nem rápido, nem lento. Ele está simplesmente descompassado. Pode causar a morte do paciente”, explica o diretor de inovação do Incor, Guilherme Rabello.
O paciente tem acesso à plataforma e consegue dizer, por meio dela, quais sintomas está sentindo. Em contrapartida, ele não pode visualizar o diagnóstico feito pela inteligência artificial, que fica visível somente para a equipe assistencial e médica.
“Imagina se a pessoa tem algum problema e não sabe o que está acontecendo, acaba se desesperando e pode gerar mais ansiedade. Por isso, o aplicativo tem uma interface desenhada para o paciente”, diz Rabello.
Em 2023, o Ministério da Saúde contabiliza 7.518 internações por arritmia cardíaca no Brasil. Entre janeiro e novembro de 2024, foram 7.671. Nos mesmos anos, foram registrados 59.544 e 62.983 atendimentos ambulatoriais, respectivamente.
“Os números relacionados a internação ambulatorial e hospitalar não são referentes a quantidade de pessoas e, sim, de procedimentos realizados”, reforça o órgão por meio de nota.
O Trada deve ser lançado oficialmente neste primeiro semestre de 2025. A ideia é que, além do Incor, outras unidades de saúde e o Ministério da Saúde possam estudar a implementação em mais hospitais.
Monitoramento de cirurgias à distância
De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 30 mil crianças nascem por ano no Brasil com cardiopatias congênitas, sendo que 40% necessitam de cirurgia ainda no primeiro ano de vida.
Presidente do conselho diretor, o cardiologista Roberto Kalil diz ter toda a tecnologia à disposição do SUS e de ponta para atender o paciente do sistema público. O médico destaca, no entanto, que são poucos hospitais no país que fazem cirurgia cardíaca em congênitos.
Para contornar esse problema, a instituição elaborou um outro projeto que usa telemedicina para fazer o monitoramento remoto e orientação de cirurgias cardiológicas em outros hospitais públicos do Brasil. Implantada em 2022, a iniciativa reduz óbitos ao evitar a transferência de pacientes para centros mais especializados fora de suas cidades e estados de origem.
Desde o início da teleorientação cirúrgica, os médicos acompanharam 42 procedimentos em crianças. Entre esses casos, foi registrado somente uma morte, devido à gravidade da condição do paciente.
Vice-presidente do conselho diretor do Incor, Fábio Jatene diz que o uso da telemedicina em cirurgias à distância busca reduzir a necessidade de transferências de pacientes, muitas vezes inviáveis devido ao tempo e à falta de recursos. O projeto acontece desde 2022 e já ocorreu nas cidades de São Luís (MA), Passos (MG) e João Pessoa (PB). Em 2025, a iniciativa chegará a Salvador (BA), Manaus (AM) e Fortaleza (CE).
Com apoio do governo federal e da iniciativa privada, a cirurgia à distância acontece a partir da instalação de câmeras de alta resolução das salas de cirurgias dos hospitais participantes, permitindo que os especialistas acompanhem os procedimentos em tempo real e orientem as equipes locais.
“Nós conseguimos interagir por imagem e som, ver o que está acontecendo naquela sala de operações. Então, detalhes como olhar o tamanho do retalho que vai ser colocado para fechar uma comunicação ou o tipo de incisão que vai ser realizada, nós conseguimos observar e passar alguma instrução daqui”, diz Jatene.
Até agora, o Incor é o único no Brasil a oferecer esse tipo de acompanhamento remoto para cirurgias em outros hospitais. Segundo a instituição, os resultados já foram apresentados ao Ministério da Saúde, que estuda formas de ampliar o projeto para mais unidades da rede pública.
O telemonitoramento começou com a cardiologia em cirurgias de crianças com doenças congênitas, mas já há o interesse de expansão para outras especialidades e outros procedimentos, como transplante de órgãos.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde