Esta pequena ilha no meio do mar de Bering havia recentemente completado seu mais longo período de inverno na história registrada com temperaturas acima do congelamento —343 horas consecutivas, ou 14 dias— quando Aaron Lestenkof dirigiu para observar o Sea Lion Neck.
Era outro dia quente de fevereiro. Ele não viu gelo marinho; pouca neve no chão.
Lestenkof é um dos sentinelas na ilha, parte de uma pequena equipe da tribo Aleut que monitora mudanças no ambiente ao longo desses 69 quilômetros quadrados de colinas varridas pelo vento e tundra. Ele também é um dos 338 residentes que ainda conseguem viver em St. Paul, algo que se tornou significativamente mais complicado à medida que o mar de Bering aquece ao redor deles.
Na última década, águas constantemente mais quentes lançaram o Pacífico Norte em turbulência, eliminando populações de peixes, aves e caranguejos, e expondo as costas a cada vez mais impactos de tempestades de inverno.
A agitação nas águas trouxe tantas mudanças para esta ilha remota, onde os residentes ainda enchem seus freezers com renas e focas, que forçou muitos a considerarem quanto tempo poderão resistir.
As águas quentes mataram cerca de 4 milhões de araus-comuns —a maior mortandade de qualquer espécie de ave já registrada na era moderna— incluindo quase 80% daqueles que nidificavam em St. Paul.
Elas exterminaram cerca de 10 bilhões de caranguejos-da-neve; causaram o colapso da principal pescaria do Alasca que dependia deles; e provocaram o fechamento, há três anos, da maior fonte de receita fiscal de St. Paul, uma usina de processamento de caranguejos da Trident Seafoods.
Os fundos da cidade caíram 60%. O número de funcionários municipais caiu de 43 para 18. A força policial foi dissolvida. Pessoas se mudaram. E os preços, já altos, subiram ainda mais no único supermercado da ilha —onde os ovos estavam sendo vendidos a US$ 14,66 a cartela (cerca de R$ 86).
A experiência de St. Paul mostra como mudanças no clima, graduais até se tornarem inconfundíveis, podem repercutir pelo tecido social. Antes um movimentado centro de processamento de caranguejos no inverno, com casas imponentes construídas na década de 1920 e uma histórica igreja ortodoxa russa, St. Paul está mais silenciosa agora. Em muitas noites no único bar da ilha, onde Lestenkof toca baixo às sextas-feiras, eles nem se preocupam em colocar as cadeiras.
Lestenkof, 40 anos, foi à escola com mais de 100 colegas, ele lembra. A matrícula agora é de 52 alunos. A fábrica da Trident costumava roncar a todas as horas e soltar um vapor com cheiro de caranguejo cozido. O porto fervilhava de barcos.
“Parecia uma cidade em toda a ilha, toda iluminada em laranja”, ele recordou.
Quando era jovem, ele se agachava ao lado do pai no promontório rochoso de Sea Lion Neck para caçar patos-rei que voavam baixo, ou leões-marinhos de Steller enquanto nadavam. Anos depois, ele ajudou geólogos do continente a instalar estacas para medir a taxa de erosão, até que eventualmente as estacas foram levadas pela água.
A razão, ele diz, é o aquecimento planetário. O gelo marinho que costumava cercar a ilha quase todos os invernos raramente o faz mais, expondo a terra a tempestades de inverno mais devastadoras que arrancam penhascos e dunas, incluindo enormes pedaços de uma encosta sob o cemitério da ilha.
“Não estamos congelando no inverno como costumávamos”, disse ele.
Ele ficou na costa, olhando sobre as ondas para a pequena faixa de terra, tudo o que resta do promontório erodido.
“Costumávamos caminhar direto por aqui”, disse Lestenkof. “Bastaram algumas boas tempestades para levar isso embora.”
O fim de Sea Lion Neck veio gradualmente, depois de repente.
Uma história trágica
Em 1923, um funcionário do Departamento de Comércio, G. Dallas Hanna, completou um rascunho de seu manuscrito “As Ilhas de Focas do Alasca” após passar oito anos em St. Paul, uma das quatro ilhas vulcânicas conhecidas como as Pribilofs. Ele achou o clima de inverno desagradável. Escreveu que ventos incessantes e o ar marinho cru tornam “tão necessário usar roupas árticas adequadas aqui quanto seria em temperaturas de 40°F abaixo de zero [4,4°C].”
“O gelo à deriva geralmente visita as ilhas todos os invernos”, escreveu Hanna.
Cada ano, o gelo marinho se espalhava do Ártico através da Plataforma do Mar de Bering, frequentemente envolvendo St. Paul em um manto branco. A interação da ilha com este gelo e a água fria e salgada que ele deixava para trás tem sido fundamental para a abundante teia de vida marinha nas Pribilofs.
E esses recursos abundantes —particularmente os milhões de focas-do-norte que se arrastavam para a costa cada primavera para se reproduzir— são o que tornaram as ilhas tão atraentes para os russos que chegaram pela primeira vez na década de 1780.
St. Paul era desabitada então, mas os russos trouxeram nativos do Alasca da cadeia Aleutiana como trabalho forçado para matar as focas por suas peles. Depois que os Estados Unidos compraram o Alasca um século depois, o governo federal eventualmente assumiu controle completo das Ilhas Pribilof e seu comércio de peles. As famílias nativas que viviam lá foram tratadas como tuteladas do estado até 1983.
Os trabalhadores Aleut às vezes eram pagos em crédito na loja do governo, frequentemente não o suficiente para alimentar suas famílias, de acordo com “Escravos da Colheita”, uma história da experiência Aleut na ilha por Barbara Boyle Torrey. Crianças pegas falando a língua tradicional tinham suas bocas fechadas com fita adesiva.
Os agentes do Departamento de Comércio que administravam o comércio de peles de foca controlavam onde os residentes podiam viver, quando podiam deixar a ilha, e quando podiam caçar e pescar.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os militares dos EUA forçaram os residentes a sair das ilhas por dois anos e os fizeram viver em uma fábrica de conservas de salmão abandonada a centenas de quilômetros de distância, onde muitos morreram.
Anciãos que viveram durante a ocupação federal de St. Paul lembram das condições brutais, fazendo trabalho pesado por uma ninharia e tendo pouco controle sobre suas vidas.
“Éramos escravos, verdadeiros escravos”, disse Gregory Fratis Sr., 85, um dos últimos falantes fluentes de Unangam Tunuu, a língua tradicional do povo Aleut. Ele lembrou que seu pai recebia US$ 300 (cerca de R$ 1.700) como bônus no final de um ano de matança de focas, mas não ganhava salário.
Fratis estava em seu carro na beira do porto enquanto a temperatura caía à tarde, alimentando filhotes de raposa-do-ártico que viviam nas rochas perto da costa com cachorros-quentes crus. Não havia mais ninguém por perto.
“Rowdy! Rocky! Venha aqui, bebê!” ele chamava as raposas pelo nome, que corriam até seu carro. “Qaqax̂! Qaqax̂! [Kaka! Kaka!]— em Aleut, isso significa comida.”
Fratis havia recentemente participado da reunião anual da tribo Aleut. Ele estava preocupado com suas finanças. Os declínios do linguado, caranguejo e focas-do-norte —cujos números diminuíram constantemente por décadas, muito depois que o comércio de peles foi proibido. Ele reclamou das casas negligenciadas pela cidade que não estavam sendo consertadas.
“A cidade é a que está realmente sendo atingida com força. E eles têm que aumentar seus serviços públicos, não os culpo”, disse ele.
Eles fazem isso, disse ele, “para existir.”
“Use essa palavra”, repetiu: “Existir.”
Ele voltou-se para as raposas.
“Qaqax̂! Qaqax̂!”
Uma comunidade desfeita
Para o administrador da cidade de St. Paul, Phil Zavadil, o colapso do caranguejo soa como silêncio.
De seu posto na prefeitura, ele pode ver a fábrica da Trident. Durante a temporada de processamento de inverno, ela praticamente dobrava a população da ilha. Sua cozinha funcionava como o único restaurante da ilha. Embora muitos dos trabalhadores fossem trazidos de outros lugares, eles injetavam dinheiro na economia local, inclusive no supermercado, cujo negócio caiu cerca de 50%, segundo seus gerentes.
O departamento de polícia de quatro pessoas de St. Paul foi dissolvido em 2021; a cidade lutava para recrutar ou pagar substitutos. O Alasca traz policiais estaduais de Anchorage, a quase 1.300 quilômetros de distância, para fazer prisões.
“É um pesadelo logístico chegar lá”, disse o tenente Daniel Blizzard, um comandante adjunto para o oeste do Alasca.
Cinco anos atrás, 36 das aproximadamente 200 casas da ilha estavam vagas ou inabitáveis. Esse número subiu para 48. Sem força policial local, os residentes dizem que se sentem menos seguros. Nos últimos meses, houve agressões e a suposta tentativa de sequestro de um menor, segundo autoridades policiais.
Blizzard e outro policial voaram para a ilha em um dia no final de fevereiro para prender um homem acusado de sete crimes graves, incluindo abuso sexual de menor e incesto, de acordo com a Divisão de Policiais Estaduais do Alasca.
Zavadil os pegou no aeroporto, situado em meio a campos de grama e aipo selvagem onde uma manada de renas vagueia. Zavadil agora também funciona como diretor interino de segurança pública de St. Paul, bem como seu diretor interino de obras públicas, mestre do porto, chefe voluntário de bombeiros e o que mais surgir.
Ele é um ex-voluntário do AmeriCorps Vista do sul da Califórnia que se mudou para a ilha em 1998, quando sua população ultrapassava 500 pessoas. Ele trabalhou para a tribo Aleut por 18 anos —fundando seu Escritório de Conservação do Ecossistema— antes de se tornar administrador da cidade.
“Batendo na madeira”, disse ele. “Não tivemos uma ameaça à segurança pública que ameaçasse toda a comunidade.”
Ethan Candyfire serviu por alguns anos como policial aqui antes de assumir um trabalho como DJ na estação de rádio. Candyfire treina basquete juvenil, pinta murais e toca bateria em uma das duas bandas da ilha.
Candyfire, que se mudou para a ilha há 14 anos vindo de Oklahoma, pensa em partir. Ele também valoriza a liberdade de viver aqui, tão longe de todos os outros, e os laços de sua comunidade. A ilha ainda parece selvagem e atemporal. Baleias jorram água ao largo. Seus filhos nadam em lagos pristinos perto de onde dentes de mamute foram encontrados.
Qualquer pessoa que vive na ilha pode caçar as renas a qualquer momento. Elas são uma das vencedoras à medida que o clima aquece. Com verões mais quentes, há mais vegetação, e elas se banqueteiam com raízes de aipo selvagem. O rebanho cresceu para quase 1.000 cabeças, mais do que o Escritório de Conservação do Ecossistema gostaria.
Com os preços dos alimentos tão altos, Candyfire queria abastecer seu freezer com carne. Zavadil o ensinou a caçar, esfolar e esquartejar uma rena. Mas Candyfire se sentia enferrujado. Ele rastejou pela tundra, mantendo-se abaixado atrás das elevações até se posicionar. Quando atirou, o rebanho começou a correr, formando um círculo apertado e giratório, com as fêmeas e os filhotes protegidos no centro.
Ele mirou e atirou uma segunda vez, e errou novamente.
Quando voltou à van, guardou seu rifle.
“Acho que hoje será macarrão com molho, não lombo de caça”, disse ele.
O colapso de uma espécie
O gelo marinho que costumava envolver St. Paul só o fez uma vez desde 2013, e mesmo assim brevemente.
“Agora, na maioria dos anos, ele não aparece”, disse Brian Brettschneider, climatologista da região do Alasca para o Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA. “E não virá este ano.”
Desde 1940, a temperatura média da superfície do mar de Bering central ao redor de St. Paul aumentou 1,3°C— com um período particularmente elevado entre 2014 e 2021, de acordo com dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (Noaa).
As 2 milhões de toneladas métricas de peixes de fundo colhidos lá a cada ano são uma parte crucial do abastecimento alimentar do país.
Décadas de pesquisa pesqueira desenvolveram uma imagem tão detalhada do ecossistema marinho que os cientistas costumavam prever com impressionante precisão o desempenho dos estoques de peixes e caranguejos mesmo anos à frente, disse Bill Tweit, vice-presidente do Conselho de Gestão de Pesca do Pacífico Norte, que administra as pescarias do Alasca, incluindo o mar de Bering.
A mudança climática destruiu essa confiança, um impacto que Tweit comparou a alguém pressionando o detonador de uma “grande caixa de TNT”.
A onda de calor recorde do mar de Bering começou em 2018. Erin Fedewa, bióloga de pesca, viu em primeira mão a carnificina causada por essa explosão durante o levantamento anual da Noaa sobre populações de caranguejos e peixes enquanto as águas aqueciam.
Em 2021, ela passou dois meses em um barco de arrasto de fundo. Três anos antes, suas redes transbordavam de jovens caranguejos-das-neves. Agora elas voltavam vazias.
Entre as capturas, ela estudava os números históricos e enviava mensagens aos colegas em terra tentando expressar a gravidade do que estava descobrindo.
“Algo louco está acontecendo aqui”, lembrou-se de pensar.
A pesquisa subsequente de Fedewa e outros sobre o desaparecimento de mais de 90% da população descobriu que a água mais quente acelerou o metabolismo dos caranguejos e levou a um evento de inanição em massa.
Os últimos anos viram águas mais frias no mar de Bering. O caranguejo-das-neves começou a se recuperar e a pesca no mar de Bering reabriu no ano passado com uma pequena cota, embora a usina de processamento de St. Paul permanecesse fechada. Fundos federais de desastre e uma parte da receita fiscal de caranguejos entregues a outros portos ajudaram a estabilizar as finanças da cidade.
Este inverno, no entanto, o gelo no mar de Bering novamente decepcionou, parte de um recorde baixo em todo o Ártico. E nos últimos três meses, uma tendência de aquecimento ressurgiu.
“O sul do mar de Bering está novamente em estado de onda de calor agora”, disse Elizabeth Siddon, bióloga da Noaa Pesca na cidade de Juneau que lidera o relatório de status do ecossistema do mar de Bering.
‘Para onde todos foram?’
O que está acontecendo nessas águas será, de uma forma ou de outra, sentido em St. Paul. Existe a possibilidade de que em breve saibamos menos sobre o porquê.
O conhecimento acumulado do ecossistema e do mar ao seu redor vem de anos de trabalho dos residentes e cientistas do governo dos EUA que o estudam há décadas. O Escritório de Conservação do Ecossistema ouviu de colegas em agências federais que cortes de financiamento e pessoal podem impedir suas visitas de campo este ano.
“Todo esse trabalho está na linha de corte”, disse Lauren Divine, diretora do escritório do ecossistema.
A Noaa e o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA recusaram-se a comentar se a pesquisa seria interrompida.
O declínio das focas de pelo que antes atraíam caçadores de fortuna para esta ilha de todo o mundo continua sendo um mistério.
Rodney Towell, estatístico da Noaa, tem visitado St. Paul para contar essas focas nos últimos 37 anos. Havia cerca de 182 mil focas de pelo nascidas em seu primeiro ano e 67 mil em sua estimativa mais recente. Se a força motriz é a incapacidade de encontrar comida, doenças, pesca excessiva, aquecimento das águas ou alguma combinação de outros fatores ainda é amplamente desconhecida, disse ele.
Em agosto, 10 focas de pelo do norte mortas apareceram em uma praia perto de Sea Lion Neck, uma descoberta desconcertante que confundiu o escritório do ecossistema. Sua análise agora sugere que elas morreram devido a uma toxina em uma floração de algas —possivelmente conectada a águas mais quentes.
Mais uma pequena erosão em um longo declínio.
“Quando comecei a trabalhar lá, era fenomenal”, lembrou Towell. “Você olha para a colônia, a cacofonia de ruídos vindo de lá —quero dizer, era simplesmente impressionante.”
Aquele tapete de focas de pelo agora aparece como aglomerados e manchas.
“E é como se, para onde todas elas foram?”, ele se perguntou. “É realmente decepcionante. Quase doloroso.”
Paul Melovidov, 64, que lidera o programa de sentinelas indígenas com o escritório de ecossistema da tribo, descreveu a mesma experiência ao observar a diminuição das aves marinhas. Os bandos magníficos e incontáveis que desciam a cada primavera são algo que seus colegas mais jovens não terão a chance de ver. “Era um paraíso”, disse ele.