O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) aplicou R$ 364,5 milhões em multas contra 23 frigoríficos por comercializar carne de gado criado em áreas embargadas por desmatamento ilegal.
Entre os alvos estão filiais no Pará do grupo JBS, que pertence à J&F —dos irmãos Joesley e Wesley Batista. O valor inicial da punição contra a empresa, uma das maiores produtoras de carne bovina do mundo, é de R$ 615,5 mil, por casos em Tucumã (PA), cidade na região de São Félix do Xingu (PA).
Outras das firmas envolvidas na ação, realizada neste mês de outubro, são a Frigol (multa de R$ 1,8 milhão) de Tucumã (PA), a 163 Beef (quase R$ 1,3 milhão) de Novo Progresso (PA), e a Frizam (R$ 2,8 milhões) em Boca do Acre (AM).
Em nota à Folha, enviada após a publicação, a JBS afirma que nenhuma das compras “indicadas pelo Ibama foi realizada de áreas embargadas”.
“Em resposta enviada ao Ibama na quarta-feira, dia 23, a companhia apresentou as Guias de Trânsito Animal (GTA) relativas às aquisições do fornecedor citado, demonstrando que as propriedades estavam em plena conformidade com a legislação vigente e com a política de compras de matéria-prima da empresa”, diz ainda a JBS.
A empresa destaca que possui há 15 anos uma política de compra responsável e um sistema de monitoramento geoespacial que “garante que a companhia não adquire animais de fazendas envolvidas com desmatamento ilegal, invasão de terras indígenas ou áreas de conservação ambiental, que estejam embargadas pelo Ibama, ou ainda que estejam na Lista Suja do Trabalho Escravo”.
A reportagem também procurou Frizam e 163 Beef por email e telefone nesta sexta (25), mas não teve resposta.
Em nota enviada nesta segunda (28), a Frigol disse que o Ibama se baseou em documentos autodeclaratórios dos vendedores que estão errados.
“A FriGol não adquiriu animais destas áreas. Por isso, afirmamos que se trata de um erro de validação de dados por parte do Ibama e quem oportunamente, no curso do processo administrativo, restará clara a conformidade da FriGol”, disse a empresa.
No total, segundo o órgão ambiental, foram apreendidas 8.854 cabeças de gado. A operação, batizada de Carne Fria 2, mirou empresas no Amazonas e no Pará e resultou em 154 autos de infração.
A primeira edição da Carne Fria, em 2017, já havia atingido frigoríficos do grupo JBS, que também foi alvo da chamada operação Carne Fraca, no mesmo ano (as duas ações, no entanto, não estão relacionadas).
Os frigoríficos foram autuados por terem comprado gado de propriedades que constam na lista pública de embargos ambientais.
“Quem compra animais oriundos de áreas embargadas contribui para a destruição da floresta amazônica e a continuidade do dano ambiental nas áreas desmatadas ilegalmente”, disse o instituto, em nota.
Segundo investigadores, as operações contra frigoríficos significam uma segunda fase nas ações de combate aos crimes ambientais, como desmatamento ilegal e invasões de áreas protegidas.
Isso porque, nos últimos anos, as operações focavam sobretudo fazendeiros que criavam gado em locais irregulares. Foram dezenas de operações contra proprietários rurais que ocupavam ilegalmente, para sua produção, terras indígenas ou unidades de conservação.
Agora, dizem sob reserva investigadores dos órgãos federais, a ideia é atacar a cadeia produtiva de carne, ou seja, aqueles que compram o gado criado ilegalmente por esses fazendeiros.
Nesta operação específica, o Ibama descobriu 69 propriedades rurais que comercializaram cerca de 18 mil cabeças de gado criadas em um total de 26 mil hectares que tinham sido embargados por desmatamento ilegal.
Essas propriedades também foram autuadas por descumprimento do embargo aplicado, por impedirem a regeneração da vegetação nativa e por venderem produtos de origem em área barrada.
Depois de identificar os fazendeiros, os investigadores se debruçaram sobre os frigoríficos que compraram e venderam carnes dessas fazendas.
As informações obtidas na operação, diz o Ibama, serão encaminhadas ao Ministério Público Federal, que pode oferecer denúncia contra as empresas e seus responsáveis.
A operação aconteceu nas cidades de Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas, e Novo Progresso, Santarém, Altamira, São Félix do Xingu, Igarapé-Açú, Portel, Anapú, Pacajá, Novo Repartimento, Ipixuna, Tomé-Açu e Bom Jesus do Tocantins, no Pará.
A operação contou com apoio da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional e também utilizou informações de órgãos estaduais.
Em abril, as ONGs Mighty Earth, voltada a campanhas globais, e AidEnvironment, focada em pesquisas, publicaram um relatório apontando a expansão do desmatamento na cadeia de fornecedores da JBS. À época, a empresa afirmou ter analisado os casos apontados e já ter cortado parte dos locais por descumprimento de algum critério socioambiental.
O documento, produzido com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), apontava indícios de ilegalidade em alguns casos.